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Colunas

A bancada do cocar em luta contra o terricídio

A bancada do cocar em luta contra o terricídio

Aos poucos os povos indígenas estão conquistando espaço no campo político e colocando as suas pautas em discussão. Para além de suas propostas, eles estão em defesa do território e de sua existência. Muitos projetos de lei em pauta no Congresso Nacional e no Senado são tentativas de golpear a Constituição Federal e abrir as portas para o total extermínio das áreas de preservação ambiental e das reservas indígenas e quilombolas para privilegiar o garimpo, a extração de madeira, a produção de grãos transgênicos, regados a veneno, e a criação de gado. Nunca podemos esquecer que a extrema direita é negacionista climática.

A luta dos povos originários é diária e remonta a invasão colonialista. A visão colonialista e eurocentrada ainda é perceptível em alguns discursos políticos que tentam desqualificar a política de garantia de direitos aos povos indígenas. A questão da terra no Brasil é complexa. O país carrega a marca do coronelismo e, portanto, muitos crimes cometidos contra as comunidades rurais de pequenos produtores rurais, de quilombolas, de ribeirinhos e de indígenas são ocultados pela grande mídia – que é cupincha de coronéis, políticos e empresários corruptos. Ela nasceu na ditadura e se banha no neocolonialismo e no imperialismo norte-americano.

A luta dos povos originários tem uma longa história, mas somente nos anos 1980 começaram a aparecer os resultados na política institucional. Em 1982, Mario Juruna, cacique Xavante, foi eleito para o cargo de deputado federal pelo Rio de Janeiro. Ele teve o seu mandato balizado contra o Estatuto do Índio e em prol da criação da Comissão Permanente do Índio.

 O Estatuto do Índio permitia que o governo removesse os povos indígenas para usufruir de suas terras em benefício de terceiros. Criado pela Lei nº 6.001, de dezembro de 1973, o Estatuto seguiu o princípio do antigo Código Civil, de 1916, no qual os indígenas seriam “incapazes” e, portanto, deveriam ser tutelados pelo Estado até serem “integrados à comunhão nacional”. Esta é uma perspectiva assimilacionista que negava a sua cultura, língua e costumes.

Foi a partir dos anos 1980 que as Comissões pró-indígenas começaram a avançar na garantia de leis relacionadas ao direito à terra. Com a redemocratização do Brasil, o movimento pelos direitos dos povos originários avançou nas pautas e ocupou espaços antes negados pelo poder público.

Em 2022, a revista Time citou Sônia Guajajara como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. Ela é uma das mais importantes lideranças indígenas brasileira. É formada em Letras e Enfermagem, especialista em Educação especial pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Em 2015, ela recebeu a Ordem do Mérito Cultural [1]. Nascida na Terra Indígena de Araribóia, no Maranhão, ela dedica a vida ao combate à invisibilidade dos povos originários e luta pelos seus direitos, atuando em várias frentes, dentre elas, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Em dezembro de 2022, Sônia foi anunciada como a primeira ministra dos Povos Indígenas. Desde então ela vem se destacando na implementação de políticas públicas indigenistas e na retomada da demarcação dos territórios indígenas. Sônia Guajajara destaca que os territórios indígenas preservam 80% de toda a biodiversidade do planeta e são as áreas onde ocorre a menor taxa de desmatamento. Para ela, sem o cuidado com o meio ambiente, a crise climática se agravará, provocando secas, inundações, ciclones e outros eventos cada vez mais severos ao redor do mundo.

A caminhada para a garantia de direitos é longa e demanda luta constante, foi assim que, em 2020, foram eleitos 234 representantes de povos indígenas, sendo 10 prefeitos, 11 vice-prefeitos e 213 vereadoras/es, segundo dados da Apib. Para a deputada federal Célia Xakriabá:

 

Antes do Brasil da Coroa, existe o Brasil do Cocar. Antes do Brasil do verde e amarelo, existe o Brasil do jenipapo e do urucum. Não conheceremos o Brasil antes de conhecer a história indígena [2]

 

A sua frase diz muito para a história do Brasil. É uma pungente marca de que temos uma história anterior ao colonialismo. Para Célia, e outras/os ativistas indígenas, não existe dissociação entre o nosso corpo e a Terra, somos terra. O ser humano também é natureza e é terra. O ser humano depende da terra e não o contrário. A foto que ilustra este texto foi feita por Edgar Kanaykõ Xakriabá e expressa este vínculo, está disponível no Instagram da Célia Xakriabá.

Célia é uma educadora e ativista indígena representante de Minas Gerais, filiada ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Ela vem se destacando por suas campanhas em prol da demarcação de terras indígenas. Sabemos que isso é uma urgência diante da emergência climática. Para ela, a tese do Marco Temporal é um retrocesso que pode corroborar nas catástrofes climáticas, tendo em vista que a sua proposta visa destruir áreas de preservação para favorecer o agronegócio, a mineração e o extrativismo predatório. O Marco temporal – conhecido como Tese de Copacabana – é uma tese jurídica que foi construída jurisprudencialmente durante o julgamento do caso Raposa da Serra do Sol pelo Supremo Tribunal Federal em 2009, o qual propõe que os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

Para Célia Xakriabá, a demarcação das terras indígenas é uma urgência diante da emergência climática. O marco deve ser ancestral em respeito aos povos que aqui estavam antes da invasão colonialista. A definição de uma data recente demonstra a má fé com a qual o poder político e judiciário trata a questão indígena no Brasil, pois sabemos que as leis anteriores à Constituição Federal negavam a existência e a cultura ancestral indígena. Contra a PEC 48/2023 e várias outras propostas imorais estão os povos indígenas e as pessoas que entendem que o Marco Temporal é uma artimanha político-jurídica para acelerar a devastação de terras neste país. A bancada do cocar significa a representatividade indígena na política federal. 

Da política para as poéticas indígenas, nota-se um avanço nos ativismos. A indígena feminista mexicana escreveu um poema para enraizar a sua luta:

INDIA [3]

Patricia Karina Vergara Sánchez

 

Soy india.

Morena, chata de la cara,

en un país racista

hasta la obsesión.

Soy lesbiana,

en una nación

que compulsivamente me persigue.

Insisto,

en la libertad de decidir sobre mi cuerpo,

en territorio

de quienes realizan leyes

que buscan doblegarme.

No creo en su dios,

aún cuando habito un Estado

opresivamente católico.

Invoco a las diosas,

Entre los engranes de un patriarcado

que hace miles de años intenta ocultarlas.

Participo en la lucha laboral,

de un pueblo

ya comerciado y en las manos del patrón.

Conozco la importancia

de la labor contestataria,

cuando en esta patria

se encarcela a quien disiente.

[…]

Es por todo ello,

Que no tengo más remedio

que darles la mala noticia

a las buenas y tranquilas conciencias:

Estoy aquí.

Exigiendo a gritos,

la parte que me corresponde del mundo.

Y no voy a callarme la boca, ni a desaparecer.

 

Sabemos que o colonialismo trouxe o racismo e a exclusão social das etnias não brancas. Combater o colonialismo é combater o racismo, por isso a teoria decolonial é tão forte na América Latina, cuja força ancestral a renomeia de Abya Yala.

No Brasil, as políticas estão em disputa e em acelerado processo de construção da diversidade cultural. Na última eleição, tivemos alguns parcos avanços. Por exemplo, em 55 anos, Joenia Wapichana foi a primeira mulher indígena advogada no Brasil e a assumir a Presidência da Funai. Pela primeira vez em 55 anos de história, o órgão federal responsável pela política indigenista brasileira é presidido por uma mulher indígena.

Segundo o portifólio da exposição Mundos indígenas: “O Brasil abriga o maior número de comunidades indígenas no mundo: são mais de 300 etnias, espalhadas por todo o território nacional. Este é um patrimônio social que não encontra similaridade em nenhum outro lugar do mundo. São idiomas, costumes, canções, vestimentas e histórias inigualáveis, que têm suas raízes em um Brasil pré-colonização” [4].

Como diz Célia Xakriabá, a chegância dos povos indígenas na política, nos espaços culturais, educacionais, nas múltiplas esferas de poder está desestabilizando a ordem colonizadora e mostrando que temos uma longa história a ser resgatada e, sobretudo, uma dívida histórica que deverá ser paga aos povos originários.

A bancada do cocar luta pelo marco ancestral.

A bancada do cocar luta contra o terricídio.

A bancada do cocar luta pela preservação da natureza.

A mãe do Brasil é indígena!

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Patrícia Lessa – Feminista ecovegana, agricultora, mãe de pessoas não humanas, pesquisadora, educadora e escritora.

 

 

Referências

[1] COELHO, Rodrigo. Sônia Guajajara entra na lista das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista Time. Brasil de fato, Rio de Janeiro, 23 maio 2023. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2022/05/23/sonia-guajajara-entra-na-lista-das-100-pessoas-mais-influentes-do-mundo-pela-revista-time. Acesso em: 11 jul. 2024.

[2] MURAD, Fernando. Narrativas ancestrais. Rio2C2022, 22 abr. 2022. Disponível em: https://rio2c.meioemensagem.com.br/noticias2022/2022/04/28/narrativas-ancestrais/#:~:text=%E2%80%9CAntes%20do%20Brasil%20da%20Coroa,de%20conhecer%20a%20hist%C3%B3ria%20ind%C3%ADgena%E2%80%9D. Acesso em: 11 jul. 2024.

[3] SANCHEZ, Patrícia Karina Vergara. Indómita versa: poesia feminista. Chile: Ginecosofía ediciones, 2017, p. 57-60.

[4] GOMES, Ana Maria (org.). Mundos indígenas. Belo Horizonte: Espaço do Conhecimento UFMG, 2020, p. 11. Disponível em: https://www.ufmg.br/espacodoconhecimento/wp-content/uploads/2018/03/ec-ufmg_2020_mundos-indigenas_catalogo_web.pdf. Acesso em: 11 jul. 2024.

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Criança não é mãe!

Criança não é mãe!

 “Vejamos, com a própria história da Igreja, como o Cristianismo bate o recorde da tirania, das torturas, do despotismo, levando a palma a todas as organizações sociais de todos os séculos e de todos os povos. […] na palavra de Salomão encontramos a nascente da odiosidade e do desprezo da igreja contra a mulher. […] Daí a fobia da igreja primitiva contra a mulher”

Maria Lacerda de Moura (1935) [1].

 

O avanço da extrema direita perpetua um rastro de sangue inocente. As novas cruzadas reeditam a sanha fascista com apoio incondicional do cristianismo. A frase de Maria Lacerda de Moura, escrita em 1935, vale para o passado, bem como para o presente cristão. Não são todas as linhas e vertentes do cristianismo que pregam a palavra de Jesus Cristo. Muitas delas pregam a palavra do capital, das grandes corporações e do patriarcado. Nas novas cruzadas, as mulheres estão na mira novamente. O ódio às mulheres atravessa a história do cristianismo, desde as fogueiras, onde eles queimaram mulheres em piras, até os dias atuais, em que os pentecostais tentam a todo custo empurrar as mulheres de volta ao reduto doméstico e à escravização da relação patriarcal.

O PL do estuprador ameaça os direitos das mulheres, das pessoas que gestam, das crianças e das famílias brasileiras! O Projeto de Lei 1904/24, proposto pelo deputado fascista Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), recebeu apoio incondicional do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). O projeto votado em regime de urgência, entre outras coisas, prevê a proibição do abordo após a 22ª semana para mulheres, pessoas com útero e crianças que engravidarem vítimas de estupro. O projeto teve apoio incondicional da bancada da bíblia. Caso haja o aborto a vítima passa a ser acusada de homicídio. A proposta beira à aberração e significa a materialização do ódio às mulheres.

A proposta equipara o aborto acima de 22 semanas de gestação ao crime de homicídio. O cerne da questão é dificultar o acesso ao aborto legal previsto em lei desde 1941. Porém, mesmo sendo lei, o acesso aos serviços é dificultado graças ao moralismo cristão que impera no atendimento ao público. Caso o projeto seja aprovado, as mulheres enquadradas nessa legislação poderão pegar uma pena de 20 anos de prisão, maior do que a prevista para os estupradores, que é de 2 a 10 anos. É justo que uma mulher, uma pessoa que gesta ou uma criança que foi violentada sexualmente seja criminalizada? É justo a vítima de um estupro ficar mais tempo presa do que o estuprador? A criminalização neste caso é uma segunda violência sobre um corpo violado. São inaceitáveis tais violências contra as mulheres, as pessoas que gestam e as crianças!

Os dados são alarmantes: em 2022, 74.930 casos de estupro foram registrados. Sabemos que esses dados são muito maiores, tendo em vista que muitas pessoas não registram o boletim de ocorrência em função da vergonha e do medo de seu algoz, que muitas vezes é um homem conhecido ou da própria família. Do percentual de estupros, aproximadamente 90% das vítimas são mulheres, sendo que cada 6 de 10 tinham no máximo 13 anos de idade, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública [2].

O número de gestações interrompidas legalmente em crianças e menores de 14 anos é bem inferior ao número de casos de estupro de vulnerável. Entre 2013 e 2022, foram registrados mais de 20 mil partos de crianças gestadas por outras crianças ou menores de 14 anos. São mais de 20 mil meninas que deixam a infância para viver a maternidade. Dessas, mais de 70% são negras. A política sexista e racista no Brasil vem ganhando contornos muito perigosos desde a ascensão do bolsonarismo. Vale lembrar que o ex-presidente, Jair Bolsonaro, ao comentar sobre as meninas venezuelanas, disse: “pintou um clima”.

Em entrevista ao canal do YouTube Paparazzo Rubro-Negro realizada no dia 14 de outubro de 2022, o ex-presidente faz uma fala que alude à apologia à pedofilia e exploração sexual de crianças, ele disse: “Eu parei a moto numa esquina, tirei o capacete e olhei umas menininhas, três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas num sábado numa comunidade. E vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei. ‘Posso entrar na sua casa?’ Entrei. Tinham umas 15, 20 meninas sábado de manhã se arrumando. Todas venezuelanas. E eu pergunto: meninas bonitinhas de 14, 15 anos se arrumando no sábado para quê? Ganhar a vida”.

O que o ex-presidente chama de “ganhar a vida”, trata-se de exploração sexual de vulnerável, e ele, como representante do governo, fez alguma coisa para ajudar as meninas em sua inserção social e adesão aos estudos? Não! Ele reforçou a pedofilia, a exploração sexual de vulneráveis, e a tomada de posição foi apoio à exploração, pois, na sua perspectiva, “pintou um clima”.  A fala dele repercutiu negativamente ao redor do mundo, confirmando a tese de que o Brasil é um país perigoso para as mulheres, meninas e pessoas com útero e que são alvo dos pedófilos e dos estupradores.

A enquete popular no site da Câmara dos Deputados aponta que quase 90% da população brasileira é contra o PL do estupro. Além disso, instituições, artistas, organizações sociais se manifestaram contra. Mulheres de diversos municípios do Brasil saíram às ruas reivindicando o arquivamento do PL. Foi uma multidão marchando contra o retrocesso que é marcado pelo ódio às mulheres e pela naturalização da pedofilia e do estupro.

A Fiocruz emitiu uma nota na qual se posiciona contra o PL do estupro, afirmando que esse projeto representa retrocesso e ameaça à saúde de mulheres, crianças e pessoas com útero. Segundo informação do site: “estima-se que ocorram 820 mil casos de estupro por ano, sendo 80% de mulheres e apenas 4% detectados pelo SUS. Destaca-se nas notificações de violência sexual no SUS que as maiores vítimas são crianças e adolescentes negras. A gravidez resultante de estupro é uma tragédia social de grande impacto na saúde física e mental, assim como na vida de estudo, laboral e de lazer, especialmente quando a vítima é uma criança” [3].

A violência sexual é um câncer social neste país e significa que a vida das mulheres, das pessoas com útero e das crianças está em constante ameaça. Afinal, a naturalização da pedofilia e do estupro interessa a quem? Essa é uma pergunta que deve ser feita. Com certeza, precisamos vasculhar a fundo a questão da pedofilia e do estupro de vulneráveis dentro das igrejas e templos no Brasil a exemplo de outros países, sobretudo se pensarmos que o PL do estupro é um projeto da bancada evangélica. Qual o interesse dos evangélicos em punir a vítima e proteger os abusadores, estupradores e pedófilos?

Não podemos nos esquecer de que no dia 24 de abril de 2013 esteve na pauta da Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados o projeto de lei nº 478/2007, que “dispõe sobre o Estatuto do Nascituro e da outras providências”. O projeto baseou-se na crença de que a vida tem início desde a concepção, ou seja, antes mesmo de o ovo ser implantado no útero, visando, assim, estabelecer os direitos dos embriões, os chamados nascituros. Ou seja, um projeto de lei brasileiro que visou garantir proteção do embrião e não da vida de mulheres, crianças e pessoas que gestam. Foi proposto, inicialmente, em 2005, pelos deputados Osmânio Pereira e Elimar Máximo Damasceno.

O assunto revela uma herança misógina, que é possível em uma sociedade patriarcal, capitalista, judaico-cristã moralista e hipócrita. A legislação trata da tentativa de dominação sobre o corpo e a sexualidade das mulheres, das crianças e pessoas com útero utilizando valores impostos através da culpa e do pecado. Esta pregação, falsa e oportunista, resulta em pressões e ações concretas no interior do poder legislativo.

O Estatuto do Nascituro, a “Bolsa Estupro”, a CPI do aborto e o PL do estupro formam um combo de estratégias cristãs dentro de uma política que, teoricamente, é laica e que está submetida a interferências das religiões cristãs e de suas concepções moralistas e hipócritas, tendo em vista que é justamente a religião com o maior número de casos de violência sexual contra mulheres, crianças e pessoas vulneráveis. A bancada composta por fundamentalistas, em sua maioria por deputados evangélicos, espíritas e católicos, está mais preocupada em controlar a vida das mulheres do que propriamente combater a violência sexual dentro de seus templos.

A revista Carta Capital, em 2023, divulgou uma matéria na sobre um grande movimento de denúncia de esquemas de pedofilia dentro da Igreja Católica. Foram registrados mais de 400 casos de abuso sexual na Convenção Batista do Sul [4]. Um estudo apresentado neste ano revelou milhares de casos de abusos sexuais de menores desde 1946 na Igreja Evangélica da Alemanha. “A investigação contabilizou mais de 2.200 casos, envolvendo 1.259 supostos abusadores. Mas segundo uma estimativa da equipe disciplinar que realizou a pesquisa, mais de 9.300 menores podem ter sido vítimas de abusos sexuais na Igreja Evangélica da Alemanha nas últimas décadas. Pela primeira vez um estudo traz números de abusos de menores dentro da Igreja Evangélica” [5].

Os casos de abuso sexual dentro das igrejas estão aparecendo, não basta lutarmos contra a legislação moralista imposta pela bancada da bíblia, precisamos pesquisar, investigar, discutir e, sobretudo, divulgar os casos de violência sexual dentro das igrejas, acobertados pelos padres, pastores e moralistas cristãos. Não é de hoje que essas instituições religiosas propõem medidas de ataque a integridade física e moral das mulheres. As novas fogueiras da inquisição estão acesas e precisamos nos unir para proteger as nossas crianças antes que elas virem alvo dos pedófilos cristãos e depois sentem no “banco dos réus”. Precisamos continuar a denunciar a pedofilia e o estupro dentro das igrejas cristãs. Desde o início do século XX que Maria Lacerda de Moura e tantas outras pessoas denunciam a tirania e a perversidade dos cristãos.

Criança não é mãe! Estuprador não é pai! 

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Patrícia Lessa – Feminista ecovegana, agricultora, mãe de pessoas não humanas, pesquisadora, educadora e escritora.

 

 

Notas

[1] MOURA, Maria Lacerda de. Fascismo: filho dileto da igreja e do capital. São Paulo: Entremares, 2018, p. 57-58.

[2] FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário brasileiro de segurança pública. São Paulo: FBSP, 2023. Disponível em:  https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/07/anuario-2023.pdf. Acesso em: 24 jun. 2024.

[3] FIOCRUZ. Fiocruz divulga nota de posicionamento contra PL do aborto. Rio de Janeiro, 24 jun. 2024. Disponível em:  https://portal.fiocruz.br/noticia/2024/06/fiocruz-divulga-nota-de-posicionamento-contra-pl-do-aborto-0. Acesso em: 24 jun. 2024.

[4] ANJOS, Simony dos. Pedofilia e igrejas evangélicas, precisamos romper esse silêncio. Carta Capital, 13 set. 2023. Disponível em:  https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/pedofilia-e-igrejas-evangelicas-precisamos-romper-esse-silencio/. Acesso em: 24 jun. 2024.

[5 ] DAMASCENO, Márcio. Estudo inédito na Igreja Evangélica revela milhares de casos de pedofilia desde 1946. RFI_br. França, 26 jan. 2024. Disponível em:  https://www.rfi.fr/br/podcasts/linha-direta/20240126-estudo-in%C3%A9dito-na-igreja-evang%C3%A9lica-da-alemanha-revela-milhares-de-casos-de-pedofilia-desde-1946. Acesso em: 24 jun. 2024.

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Moira Millán e a luta contra o terricídio em Abya Yala

Moira Millán e a luta contra o terricídio em Abya Yala

“El verano se acercaba y con él, el tiempo de las ofrendas y el compromiso de renovar los votos de armonía con la mapu” [1].

Escrever sobre a indígena Moira Millán é um desafio, ainda sabemos pouco sobre a sua história e suas batalhas. Ela é uma mulher originária da nação Mapuche, nasceu em 20 de agosto de 1970, em Maitén, província de Chubut, na Argentina. Seus familiares trabalharam como ferroviários. Moira é uma weychafe (guerreira na língua mapudungun) e integra o Movimento de Mulheres Indígenas pelo Bem Viver. Desde a década de 1990 ela tem se mobilizado em lutas pelos direitos do seu povo, contra o terrícidio e o feminicídio de suas irmãs indígenas.

Na cosmovisão do povo Mapuche, os rios, as montanhas, as florestas, os animais não são recursos ou propriedades, são parte de um todo que compõe a Terra. Os povos originários partem de uma outra epistemologia, não colonial e não eurocentrada; nela não há espaço para a dualidade entre terra e humanidade. Tudo é natureza. O ser humano também é natureza e é terra. O ser humano depende da terra e não o contrário. A terra iria prosperar sem o ser humano, caso não haja uma mudança de comportamento e na relação corpo/território. A destruição do território é a destruição dos corpos humanos.

Moira Millán nos lembra que o colonizador estabeleceu fronteiras no território que já era habitado. Entre as formas de dominação estava a proibição de rituais ancestrais, o roubo das terras indígenas, a subjugação dos povos e a imposição de uma maneira de conceber e estar no mundo. O modo de vida acumulativo, gregário e racista gerou um mundo doente, com pessoas e territórios adoecidos por uma forma de ocupação altamente predatória e destrutiva. Exemplo disso, para ela, são as criações de animais para abate e os abatedouros onde se produz “carne torturada”. São animais e trabalhadores da indústria da carne que vivenciam violências diárias que resultam na morte em massa e na debilidade física e emocional.

Para ela é necessário o despertar telúrico. A humanidade precisa aprender sobre a visão existencial dos povos originários, que não fazem distinção entre animais, rios, cachoeiras, montanhas, terra, vento e seres espirituais. A floresta é uma entidade viva e pulsante, consciente e detentora de direitos. As plantas são sagradas e guardam os segredos da medicina tradicional. As mulheres são guardiãs desses segredos milenares repassados às novas gerações através da oralidade.

Moira impulsionou o Movimento de Mulheres Indígenas pelo Bom Viver, que questiona o mito da Argentina branca através da invisibilização dos povos originários. O modelo de democracia ocidental, para ela, é assentado no racismo e no terricídio. Moira diz que é necessário construirmos uma Terracracia, onde a terra seja o centro de nossas preocupações e ações. Neste modelo não cabe a Universidade tal como a concebemos atualmente, pois, para uma cosmovisão, deveria haver uma Pluriversidade, para agregar outras culturas, povos e epistemologias.

Além disso, é preciso enfatizar que, antes do feminismo, os povos mapuche já eram antipatriarcais. Eles tinham uma perspectiva política, ideológica e filosófica oposta à do colonizador. Desde suas origens, havia uma perspectiva de equidade, espiritualidade e respeito à Terra. A militarização dos territórios responde aos interesses internacionais do imperialismo e do patriarcado.

 Maria Eugenia García Nemocon, Ana-Marcela Montanaro e Luisa Maria Ocaña Muñoz no livro Eco-feminismos decoloniales: abrir miradas afirmam que: “los feminismos decoloniales son aportaciones dispersas en la geografía, pero que están situadas geopolíticamente en el Tercer Mundo. Son parte de las epistemologías del sur, siendo los conocimientos geopolíticamente inspirados en los sures globales contrapuestos a las epistemologias dominantes de los nortes globales” [2].

Concorda com as autoras Aimé Tapia. Ela é autora da obra Mujeres indígenas en defensa de la tierra e nos instiga a pensar em alguns aspectos centrais dos feminismos indígenas, tais como a confluência de posturas críticas, a relevância das tarefas de reprodução, a recuperação de categorias indígenas, a relação entre os corpos e os territórios, a vinculação dos corpos com a biodiversidade da Terra e o fortalecimento dos processos organizativos indígenas que constituem sua capacidade para construir o comum sem renunciar a diversidade.

Para ela, os feminismos indígenas latino-americanos são portadores de uma episteme não ocidental que se fundamenta na comunidade, no respeito à igual dignidade para todos os seres vivos e em valores de reciprocidade e interdependência [3].

Uma das grandes contribuições de Moira está na luta contra o terricídio que, em sua cosmovisão, parte do pressuposto da luta pela vida planetária. O conceito de terricídio foi criado por Moira e suas companheiras do Movimento de Mulheres Indígenas pelo Bem Viver e pode ser definido como o assassinato dos ecossistemas, o extermínio dos povos que o habitam e, também, significa a destruição dos ciclos que regulam a vida na terra, ao que chamamos ecossistemas perceptíveis.

Patrícia Karina Vergara Sanches em seu livro Siwapajti: medicina da mulher, memória e teoria de mulheres concorda e afirma :

“Minha suspeita é de que um dos últimos bastiões dos conhecimentos originários é a certeza da terra como entidade viva. Na generalidade das populações racializadas, entre os saberes, entre as lendas, entre os costumes, no centro das mais poderosas cosmovisões, há um sentido comum, uma pauta que se repete: ‘a terra não nos pertence, nós que pertencemos a ela’. A terra é a nossa ancestral direta. É ela quem nos dá vida, água, casa e alimento. Então, quem habita hoje essa terra, esse lugar concreto nela, está cuidando desse território porque, antes, o cuidaram outras mulheres para nós” [4].

O livro El tren del olvido, de Moira Millán, é o primeiro romance escrito por uma mulher mapuche da Argentina, especificamente da Patagônia, terra que antes de ser invadida pelos colonizadores espanhóis era chamada de Puelwillimapu. É uma obra que cria pontes entre o passado e a atualidade. O título, “O trem do esquecimento”, em português nos remete à construção da ferrovia que traria o progresso, mas também tentaria apagar o povo originário da Patagônia e da história da Argentina.

Em suas páginas iniciais, ela escreve:

“Soy una mujer mapuche. ¿Qué es ser mapuche? Les diré: mapu es tierra, y che, gente; gente de la tierra. Pero no es la idea de tierra que todo el mundo tiene, es más que eso. Es el mundo tangible y el mundo perceptible, el mundo bajo nuestros pies y también el de arriba, y el que está alrededor nuestro. La mapu tiene vida. Es una fuerza, un newen. ¡Qué bella palabra! ¿No lo creen así? Newen: energía, fuerza, toda forma de existência que crea y alimenta el mágico círculo de la vida” [5].

Os povos originários caminham com passos suaves e firmes há milênios e chegam hoje para nos convidar a adentrar em sua cosmovisão e propor uma renovação fundada na energia, na força e no entendimento de que toda forma de existência cria e alimenta o círculo mágico da vida. Neste mês de maio de 2024 vivemos novas devastações causadas pela emergência climática. Nada mais será igual nestes locais afetados profundamente pelas ações humanas que causam as devastações na terra e na vida planetária.

O agronegócio, o modelo de produção agrícola baseado na monocultura e na pecuária ostensiva, nos grandes latifúndios e no uso doentio de agrotóxicos, consome mais de 70% dos recursos da terra e produz menos de 20% dos alimentos, ele sustenta a produção industrial de alimentos ultraprocessados, nada saudáveis, e resulta em um dos grandes responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa. O atual modelo de agronegócio mata a terra, devastando florestas, animais, povos e, sem dúvida, é um dos maiores responsáveis pela emergência climática. Fica o convite para a renovação do pensamento, para o despertar telúrico e para a luta contra o terricídio. Vale lembrar que o ser humano depende da terra e não o contrário.

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Patrícia Lessa – Feminista ecovegana, agricultora, mãe de pessoas não humanas, pesquisadora, educadora e escritora.

 

 

Referências:

[1] Tradução livre: “O verão aproximava-se e com ele o tempo das oferendas e o compromisso de renovar os votos de harmonia com a terra”. MILLÁN, Moira. El tren del olvido. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Planeta, 2019, p. 311.

[2] Tradução livre: “Os feminismos decoloniais são contribuições dispersas na geografia, porém estão situados geopoliticamente no Terceiro Mundo. São parte das epistemologias do sul, sendo os conhecimentos geopoliticamente inspirados nos suis globais contrapostos às epistemologias dominantes dos nortes globais”. NEMOCON, Maria Eugenia García; MONTANARO, Ana-Marcela; MUÑOZ, Luisa Maria Ocaña. Eco-feminismos decoloniales: abrir miradas. Madrid: Ecologistas em Acción, 2021, p. 16.

[3] GONZÁLEZ, Aimé Tapia. Mujeres indígenas en defensa de la tierra. Ediciones Cátedra, 2018.

[4] SANCHES, Patrícia Karina Vergara. Siwapajti: medicina da mulher, memória e teoria de mulheres. Belo Horizonte: Editora Luas, 2022, p. 37.

[5] Tradução livre: “Sou uma mulher mapuche. O que é ser mapuche? Eu direi: mapu é terra, e che, gente; gente da terra. Mas, não é a ideia de terra que todo mundo tem, é mais do que isso. É o mundo tangível e o mundo perceptível, o mundo abaixo dos nossos pés e também acima, e o que está a nossa volta. A Terra tem vida. É uma força, uma renovação. Que bela palavra! Não creem? Renovação: energia, força, toda forma de existência que cria e alimenta o círculo mágico da vida”. MILLÁN, Moira. El tren del olvido. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Planeta, 2019, p. 9.

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Conexões entre sexismo e especismo

Conexões entre sexismo e especismo

Cuando pasas

Y posas

Cuatro pies delicados

Em el suelo,

Oliendo,

Desconfiado

De todo terrestre,

Porque todo

Es inmundo

Para el inmaculado pie del gato

(Pablo Neruda) [1]

Em memória à Maju, uma das vítimas dos covardes torturadores de gatos de Caxias do Sul (RS), a foto dela na imagem que ilustra o texto deste mês está publicada no Instagram da @ongsrdoficial.

 

Especismo é a ideia de promover a espécie humana como superior e, além disso, capaz de deliberar sobre todas as outras, incluindo o direito sobre a vida e a liberdade. É a ideologia que justifica a exploração humana sobre as demais espécies. A relação com o sexismo está presente nas reflexões que pensam esse tipo de exploração. Sexismo é o nome que se dá à ideia de promover um gênero sobre o outro: a ideia de uma ordenação sexual, de subordinação do feminino ao masculino de forma hierárquica, como se houvesse uma ordem de importância social, e, nessa ordem, o masculino seria o padrão e a referência central. As feministas veganas estão se debruçando sobre a relação entre as violências sexistas, misóginas e contra as pessoas não humanas.

Utilizo o termo pessoa não humana emprestado do livro A vida dos animais, de J. M. Coetzee, nele a primatóloga Barbara Smuts convidou as pessoas humanas a “abrirem o coração para os animais à sua volta e descobrir por si mesmos como é fazer amizade com uma pessoa não humana” [2]. O termo “pessoa” no dicionário Michaelis online considera a “criatura humana” um “ser eminente ou importante”, com “caráter peculiar que dá distinção a alguém”. E vai além, na narrativa cristã, ser uma pessoa significa estar consciente de sua liberdade e responsabilidade, que são determinadas pela dimensão moral e espiritual. Já na gramática, “pessoa” indica alguém que participa de um discurso. Utilizar “pessoa” para os animais não humanos significa, portanto, transgredir um discurso criado pelo humano especista, que desconsidera todas as outras formas de vida, ou considera inferior, portanto, passível de exploração.

Para pensar a relação entre a violência machista/sexista e a brutalidade contra a irmandade de outras espécies vamos analisar o caso do torturador de gatos de Caxias do Sul (RS). Anderson Lucas Maciel de Almeida foi denunciado por maus-tratos a animais pela ONG Sem Raça Definida (SRD) e encaminhado para prisão no dia 27 de setembro de 2023. A matéria da Petrus News mostra fotos dele usadas em suas redes sociais, em uma delas ele usa um pano no rosto para encenar de forma tosca a imagem de torturador [3].

Os celulares encontrados na casa dele apontam para uma rede de homens envolvidos na compra de vídeos onde o maníaco filma a mutilação e a tortura imputadas aos gatos. A polícia está investigando a rede de envolvimento no crime. No dia 29 de setembro de 2023, a ONG liberou notícias e atualizações sobre os gatos resgatados informando que ainda não estavam prontos para adoção, todos estavam internados, tiveram as unhas arrancadas, estavam com marcas de cordas enforcando a garganta e outras tantas pelo corpo, o laudo da veterinária ainda informou que eles tiveram os dentes quebrados ou arrancados. Todos estavam magros e debilitados. No momento do resgate foi constatado que um deles havia sido morto um pouco antes da polícia e da equipe da ONG chegarem na casa do delinquente.

Em dezembro, no dia 8, a ONG noticiou a libertação do facínora para passar um “Natal em família”. O advogado de defesa do torturador, Fabiano Huff, alegou que ele possui “grave transtorno psicótico” [4]. A desculpa de “transtorno mental” permite que homens altamente perigosos andem livremente pelas ruas cometendo crimes. Graças ao advogado, o algoz está nas ruas e agora matando mais animais, com mais requintes de crueldade e ameaçando as mulheres da ONG SRD (@ongsrdoficial). Nas redes sociais, ele demonstra sua inspiração nos joguinhos eletrônicos ultraviolentos e divulga imagens dos gatos amedrontados: https://www.facebook.com/mjuvenil.lobato?mibextid=ZbWKwL.

Depois de passar o “Natal em família”, o assassino passou a realizar ameaças às mulheres da ONG. No dia 10 de janeiro deste ano, as notícias na página da ONG informaram que às 3 horas da madrugada uma das ativistas voluntárias recebeu dois vídeos de visualização única, onde havia cena de gatos sendo torturados. Cito o relato: “No primeiro, um gato preto ainda vivo, com as patas abertas e amarradas, e parte do peito mutilado também.
E no segundo vídeo um gato branco com parte do focinho cortado.
Imediatamente a voluntária reconheceu o fundo como o mesmo local onde os gatos torturados foram resgatados dia 27/09. Em tom de deboche, complementou a mensagem com ‘Miauuu’. Minutos depois recebeu mais um áudio de visualização única, com música muito alta e um gato miando desesperadamente ao fundo. Com urgência foi contatada a advogada da ONG, onde começou a ligar sem retorno do tal número. Hoje à tarde, a mesma também começou a receber ameaças gravíssimas do mesmo contato, como consta no print e no b.o que já foi aberto no mesmo momento”.

Com o criminoso solto e protegido pelo escudo de “doente mental”, os crimes agravaram e agora caminham para o desfecho sexista/machista. O ódio às protetoras é o que motiva a tortura aos gatos e aos cães ou seria uma espécie de treinamento para seu desejo mórbido de torturar mulheres? A relação entre o especismo e o sexismo é visível.

O livro Crueldade com animais x violência doméstica contra mulheres: uma conexão real estuda a relação de duas formas de violência: especista e sexista. Segundo a autora, Maria Padilha, os números encontrados com relação à violência contra os animais parecem aumentar nas últimas décadas no Brasil, e os números apontam que os agressores, em sua maioria, são homens. Ela escreve: “Dentre os diversos tipos de violência praticadas contra os animais de companhia principalmente contra cães no contexto familiar, a violência física é a que predomina e tem como principal agressor o mesmo homem que agride a mulher” [5]. Em suas considerações finais, a autora nos diz que, em geral, as pessoas não enxergam que as agressões contra animais estão ligadas com as agressões contra mulheres e crianças. Todo agressor é um covarde que vai agredir aquelas pessoas mais vulneráveis: mulheres, crianças e pessoas não humanas.   

O marginal foi preso pela segunda vez por torturar e matar gatos e agora com o agravante de ameaçar as mulheres da ONG SRD. Mas, já está solto novamente. Parece que a justiça está aguardando ele começar a torturar e matar as mulheres. Não é possível que o judiciário não perceba a periculosidade do marginal. Estariam aguardando que ele compre armas de fogo e mate algumas pessoas humanas para mantê-lo enjaulado na cadeia?

O caso ganhou contornos muito perigosos no período que ele ficou encarcerado no início de 2024. Outros gatos torturados e enforcados começaram a aparecer em Caxias do Sul – o que indica que a sua rede de “amigos” que compravam os vídeos de tortura e mantinham contato na Deep Web estão atuando em “solidariedade” no período em que o marginal estava preso. Reproduzo o informe realizado dia 16 de fevereiro de 2024 pela ONG:

 “Parece inacreditável, estamos apavoradas, mais uma resgatada com requintes de tortura. Na quarta-feira, às 21h recebemos um pedido de resgate inacreditável. Uma pessoa disse que encontrou uma gata em seu portão nesse estado. Ela pediu ajuda a outra que entrou em contato conosco. Pelas fotos, jurávamos que ela não estava mais viva. Porém, ao chegar na clínica, foi constatado que sim, por um milagre. Ela estava em completo estado de choque. Sem reação alguma. As veterinárias começaram a examinar com urgência, e foi aí que percebemos que não se tratava de um ‘incidente’. Ela teve uma lesão na face de aproximadamente 10 cm, tão funda que causou a exposição do osso mandibular. O estranho é que o formato do corte é ‘perfeito’. Não pode ser por mordida de animal, faca ou algo assim. Foi feito com bisturi ou algo próprio pra cortes nesse sentido. Nós ficamos realmente apavoradas! Já é o terceiro gato que aparece misteriosamente num estado do mesmo modus operandi, sem ser os resgatados do torturador. Quem lembra do Mingau? Resgatado com maxilar quebrado, unhas mutiladas, dedos cortados e também em estado de choque!
E o Frajola? Uma lesão na face muito similar a essa última resgatada. Todos eles apareceram em algum local onde vizinhos nunca haviam os visto anteriormente.
E além de tudo, essa gata teve dentes arrancados recentemente como mostra no laudo. Borramos as imagens porque são realmente muito difíceis de visualizar.
Se é difícil pra nós, pensem na gata que sofreu tudo isso!
Queremos justiça! Sabemos que existe muita gente maldosa que seguirá fazendo isso se não forem presos! Mais uma vez abrimos boletim de ocorrência e a polícia nos informou que estão investigando a similaridade desses casos para chegarem nos autores. Qualquer informação com fundamento pode ser enviada pelo direct do Instagram da ONG. A gata não consegue se alimentar, está com sonda e soro. Seu estado é gravíssimo, orem por ela”.

A gatinha do relato era a Maju, nome carinhoso dado pelas ativistas da ONG. Elas e a Maju lutaram pela vida, mas o quadro era grave, e no dia 5 de março a ONG noticiou o seu falecimento: “Nosso maior medo era ter que escrever esse texto. E hoje, com o coração despedaçado, perdemos nossa pequena […]. Uma dor inexplicável, sensação de derrota, a maldade humana venceu mais uma vez e levou nosso anjinho. Há dois dias ela decaiu bruscamente, mas ainda assim acreditávamos que ela iria se recuperar. Ela foi muito forte de chegar até aqui, agora teve seu descanso merecido. Até breve, nossa estrelinha brilhante Maju. Te amamos de todo o coração”.

Nos comentários, algumas mulheres falaram em uma rede de Incels – homens ultraviolentos que odeiam mulheres, odeiam pessoas não humanas, crianças, enfim, odeiam a vida. Suas redes instigam a violência e compartilham desejos de tortura e morte contra mulheres e animais não humanos. Para Silvia Federici (2017), a caça às bruxas inaugurou o uso científico da tortura. Sir Thomas Browne, assassino e médico, foi responsável pela morte de duas mulheres. Não por acaso, as bruxas e os gatos eram capturados, torturados e assassinados nas fogueiras da Inquisição pelos “homens de Deus”. “A magia mata a indústria” dizia Francis Bacon, sedento por sangue [6].

A diferença do período inquisitorial e a atual caça às bruxas e aos gatos é que os homens estão mais covardes do que na Idade Média. Naquela época, a acusação era pública, nenhum homem se escondia para fazer a denúncia. Hoje, os homens se escondem na Deep Web para instigarem suas seitas lotadas de homens jovens, fracassados, sem uma vida sexual satisfatória, covardes e ultraviolentos. Incel, Redpill, MGTOW ou qualquer outra designação, representam grupos de machos ressentidos, amargurados, com uma sexualidade frágil e estéril, incapazes de amar, preferem a violência, e as redes de apoio entre seus iguais são usadas para fortalecer a violência, a propagação do ódio e o planejamento de seus crimes.

Desejo muita força para as mulheres corajosas da ONG SRD e peço apoio às pessoas que são contra a barbárie: sigam a ONG nas redes sociais e, se possível, ajudem financeiramente, pois os inimigos não dormem. Eles passam a noite acordados torturando gatos e tramando contra a vida das ativistas.

Maju, eu também te amo! Muito obrigada às ativistas da ONG SRD vocês são inspiração de afeto e coragem.

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Patrícia Lessa – Feminista ecovegana, agricultora, mãe de pessoas não humanas, pesquisadora, educadora e escritora.

 

 

Referências

[1] SILVEIRA, Nise. Gatos, a emoção de lidar. Fotos: Sebastião Barbosa. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial, 1998. p. 18.

[2] SMUTS, Barbara. Reflexões. In: COETZEE, J. M. A vida dos animais. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 145.

[3] DIAS, Ailton. Homem é preso acusado de mutilar e gravar tortura de gatos em Caxias do Sul. Petrus News, 28 set. 2023. Disponível em: https://www.petrusnews.com.br/homem-e-preso-acusado-de-mutilar-e-gravar-tortura-de-gatos-em-caxias-do-sul/. Acesso em: 30 mar. 2024.

[4] MORIGGI, Ranieri. Suspeito de torturar gatos e ameaçar integrantes de ONG é preso preventivamente em Caxias do Sul. Jornal Semanário, 15 jan. 2024.  Disponível em: https://jornalsemanario.com.br/suspeito-de-torturar-gatos-e-ameacar-integrantes-de-ong-e-preso-preventivamente-em-caxias-do-sul/. Acesso em: 30 mar. 2024.

[5] PADILHA, Maria José Sales. Crueldade com animais x Violência doméstica contra mulheres: uma conexão real. Recife: FASA, 2011. p. 48.

[6] FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante, 2017.

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Dia Internacional da Mulher: para quais mulheres?

Dia Internacional da Mulher: para quais mulheres?

“O choro da menina foi se transformando em um gemido quase inaudível, fazendo os latidos do cão diminuírem aos poucos”

(Adania Shibli) [1].

A imagem que ilustra a divulgação deste texto é de Shamsia Hassani e foi criada em 2020. Ela nasceu em abril de 1988 no Afeganistão e aborda a situação das mulheres no Oriente Médio. A artista é grafiteira, professora universitária nas áreas de escultura, arte digital e urbana. A obra em destaque mostra uma maternidade nada romantizada. A gestante segura o ventre onde vemos um feto formado e posicionado com a cabeça para baixo. Seria, em condições comuns, um indício de que a criança está pronta para vir ao mundo. No entanto, a mãe e a criança estão com seus corações partidos, pois vivem em uma zona de guerra. O futuro dela é incerto! O tanque de guerra no segundo plano nos possibilita entender a dor da mãe que chora [2].

Ao redor do mundo, muitas mulheres nem lembram que existe um dia para “elas”, para “nós”. Sabemos que nas zonas de guerra as mulheres e as crianças são as maiores vítimas. No dia 8 de março, as redes sociais divulgaram o discurso proferido às turmas da escola religiosa Shirat Moshe pelo diretor, o rabino Eliyahu Mali, que abordou os escritos sagrados do judaísmo. Segundo o rabino, está havendo uma “guerra santa” em Gaza e todo soldado deve atentar para a regra básica prescrita no Torah: “Não poupem nenhuma alma! Não há pessoas inocentes. Se você não os matar, eles irão te matar. São vocês ou eles. A próxima geração e as mulheres que dão à luz a próxima geração serão os terroristas de amanhã”. Ele é enfático: “Não poupe nenhuma mulher, nem gestante, nem criança, nem bebê, nem idosa”.

A fala do rabino não é algo novo, sabemos que a dominação colonialista tem como alvo as mulheres e as crianças. O colonialismo, desde seus primórdios, é escrito com o sangue das mulheres e de suas crianças. A obra de Shamsia é bela e triste. Retrata a dor das mães cujo futuro é incerto e repleto de medo e melancolia. As mulheres que sofreram ou sofrem os processos colonizadores estão à margem desta e de outras comemorações tão caras às instituições tradicionais. As mulheres indígenas e as mulheres negras da América Latina, as do Oriente Médio, da África não receberam flores neste dia.

O dia da mulher é para quais mulheres, afinal? Desde o século XIX vemos as mulheres reivindicarem direitos. As libertárias, as anarquistas, as sufragistas, as mulheres negras, as marxistas, as campesinas deram passos importantes desde o alvorecer feminista. A marcha das mulheres é marcada pelas batalhas, vencidas ou perdidas, elas abriram caminhos.

Os feminismos contemporâneos necessitam viver a relação interseccional para dar voz e vez para as mulheres em suas diferentes etnias, gerações e orientações de gênero. Para reforçar o trabalho de criar novas pontes para além da normatização, é preciso descolonizar os corpos e as ações, já que as marcas das violências ainda refletem as heranças da sangrenta colonização e da cultura escravagista europeia e norte-americana. O conhecimento na perspectiva das mulheres que lutam pela libertação é um processo, uma jornada, um caminhar que ilumina novos horizontes não capturados, como diz a cineasta e escritora vietnamita Trinh T. Minh-Ha:

“O significado move-se com o caminhar e, como se diz frequentemente na Ásia, milagre é caminhar no chão, e não na água. Caminhar é uma experiência de indefinição e infinitude. A cada passo adiante, o mundo vem a nós. A cada passo adiante, uma flor brota sob nossos pés. […] Um cinza multicolorido cujo tempo resiste à captura e cujas cores desafiam toda formação em preto e branco. A cada passo, o mundo vem ao caminhante” [3].

Mulheres indígenas

Mulheres do Congo

Mulheres de Gaza

Mulheres negras do Brasil

Mulheres latino-americanas

Resistem e caminhando constroem pontes e novas perspectivas.

A jornada é longa, entre flores e serpentes, a andança torna-se aprendizado!

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Patrícia Lessa – Feminista ecovegana, agricultora, mãe de pessoas não humanas, pesquisadora, educadora e escritora.

 

 

Referências: 

[1] Adania Shibli. Detalhe menor. Tradução de Safa Jubran. São Paulo: Todavia, 2021, p. 46.

[2] Shamsia Hassani. The Artist. Disponível em: https://www.shamsiahassani.net/. Acesso em: 17 mar. 2024.

[3] Trinh T. Minh-Ha. Milhas de estranheza. AREND, Silvia; RIAL, Carmen; PEDRO, Joana Maria. Diásporas, mobilidades e migrações. Florianópolis: Editora Mulheres, 2011, p.18-19.

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“Tudo bem ser lésbica, mas não precisa parecer homem!”

“Tudo bem ser lésbica, mas não precisa parecer homem!”

A saída do armário não acontece de forma abrupta, em um único momento. Muitas lésbicas passam a vida toda evitando assumir publicamente sua sexualidade graças ao preconceito que atravessou o tempo e as diferentes geografias. Em maior ou menor grau, ele incide sobre alguns corpos.

O termo “entendida” era comum nos anos 1980/1990. Era uma forma de falar em público sobre as preferencias de outras mulheres sem o temor da discriminação social. “Fulana é entendida!”, era uma frase comum entre amigas lésbicas. O uso da palavra “entendida” não tinha uma associação direta com o lesbianismo, por isso ajudava a manutenção de certo anonimato.

O medo da violência e da repulsa social levou toda uma geração a manter um silêncio sobre as suas preferências sexuais, sua forma de viver e de se relacionar, evitando, assim, problemas familiares, no trabalho e nas relações comuns do cotidiano. Por longo tempo, casais de mulheres viviam juntas como “amigas”. Era uma forma de evitar o conflito e garantir um mínimo de liberdade dentro de suas casas. A hipocrisia da família tradicional foi sendo desmascarada graças às críticas feministas, libertárias e, mais adiante, LGBT e queer. Por trás da ideia de “tradição”, há um “contrato sexual” que foi abordado por Carole Pateman [1]. O contrato sexual foi um dos pilares para a manutenção do patriarcado.

Em uma sociedade baseada na violência patriarcal, o lesbianismo representa uma afronta. A ausência de interesse pelos homens é uma pedra no coturno dos machistas de plantão. Daí advém o título desta reflexão: tudo bem ser lésbica, mas não precisa parecer homem! Somente em uma sociedade androcêntrica é possível um pensamento reducionista baseado na falsa crença que a não adoção dos códigos socialmente aceitos de feminilidade representam masculinidade.

O arrimo do androcentrismo é voltado para o movimento de contornar e retornar sempre para o mesmo lugar comum: o mundo soletrado no masculino. Assim é com a linguagem universal, com a ideia de competitividade, de pensamento e de forma de se vestir, para citar alguns exemplos. Embora as coisas estejam mudando, vemos uma turba de trogloditas clamando pelo retorno à barbárie, ao modelo da masculinidade tóxica, dominadora e doutrinária.

Neste movimento de grande retrocesso social, vemos ao redor do mundo o fantasma do fascismo assombrando. Ora, o fascismo é alimentado pela violência, pelo tradicionalismo, pela intolerância, pelo machismo, colonialismo, racismo, especismo, capacitismo e todas as formas de brutal exclusão social.

A lesbofobia significa o medo e a repulsa contra as lesbianas. As mulheres que se relacionam afetiva e/ou sexualmente com outras mulheres geralmente são etiquetadas de invertidas, de mulher-macho, fancha, machorra, butch, sapatão, ou, no pior caso, anuladas da vida pública. As lesbianas foram tornadas invisíveis na vida pública, nos livros de história, excluídas por meio da linguagem, excluídas por meio de ações. Reverter essa exclusão foi possível graças aos movimentos sociais, à divulgação e promoção de ações propositivas.  

Aos poucos vimos os insultos sociais serem ressignificados pelas lesbianas. Ser sapatão, lésbica, fancha, butch é uma forma de ser e estar no mundo. Mas, até que ponto o “mundo” respeita essas diferentes formas de ser e estar? Será que as distintas expressões da lesbianidade são aceitas da mesma forma? Quantas vezes ouvimos a frase: “Tudo bem ser lésbica, mas não precisa parecer homem”?

A violência incide sobre os corpos lesbianos em vários momentos e situações, dependendo de um conjunto de fatores ambientais. As diferentes formas de violência previstas na Lei Maria da Penha são: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial. Todas elas são, em algum momento, usadas para humilhar ou apagar a existência das mulheres que ousam viver apartadas dos homens.

Este foi o caso de Ana Carolina Campelo. Vítima de lesbocídio, Carol, como era carinhosamente conhecida, foi perseguida, torturada e assassinada em dezembro de 2023, em Maranhãozinho no Maranhão. Ela tinha 21 anos e havia se mudado para o local para viver com a sua namorada. Seu rosto foi desfigurado e seu corpo jogado em uma estrada como se fosse lixo. O caso comoveu os grupos lesbianos, que fizeram manifestações em várias regiões do Brasil.

Este, infelizmente, não é um caso isolado. O dossiê sobre lesbocídio no Brasil [2] é um documento fundamental para entendermos o atroz cenário nacional. As autoras iniciam a publicação diferenciando o feminicídio do lesbocídio. As especificidades do segundo levam a uma tipologia definida em lesbocídios declarados – como demonstração de virilidades ultrajadas, cometidos por parentes, por homens conhecidos sem vínculo afetivo-sexual ou consanguíneo, assassinos sem conexão com a vítima, suicídio ou crime de ódio coletivo, múltiplas opressões e tráfico de drogas – e o lesbocídio como expressão de desvalorização das lésbicas.

Os números são aterradores e nos levam a inferir que há uma política de extermínio camuflada de “casos isolados”. A violência machista no Brasil é um caso de patologia social. São mais de 10 estupros coletivos por dia no país. Ao ver os números, ficamos pensando: quantos homens a nossa volta participam ativamente ou como cumplices nesses crimes? O caso de Ana Carolina Campelo ainda está sendo investigado. Somente em 2024 houve a identificação de um possível assassino.

Para além da violação física e sexual, existe a violência psicológica, moral e patrimonial. Muitos casais de lésbicas são instigadas a providenciar a união estável para garantir que as suas famílias não se achem no direito de roubarem os bens em caso de óbito de uma delas. Tive o desprazer de acompanhar um caso em que o irmão mais velho queria saber com quem ficaria o imóvel do casal de lésbicas diante do leito de morte da sua irmã. Ele simplesmente ignorou o fato de as duas terem construído juntas o patrimônio durante mais de 20 anos de união. Com certeza, cientes da ganância de alguns familiares, elas já haviam providenciado a união estável e um testamento.

Como teria ficado a viúva caso não houvesse a documentação? Sabemos que a justiça, feita em sua maior parte por homens, os acoberta. Ao falar sobre o caso em um grupo de pessoas, um homem cis, esquerdo-macho, branco, hétero e privilegiado vomitou a seguinte frase: “Para vocês tudo é preconceito, preconceito seria se a família espancasse e jogasse na rua”. A frase diz muito sobre as crenças machistas. Muitos homens acreditam que violência é somente “espancamento”. Violação sexual, psicológica, moral e patrimonial são, para muitos homens, “coisa de feminista” querendo direitos iguais. A luta lesbiana é longa e cotidiana!

Nos anos 1970, o amor entre mulheres ficou conhecido como um ato político. O feminismo lesbiano, representado por nomes como Monique Wittig, Ti-Grace Atkinson e Adrienne Rich, pensou e propôs a desconstrução dos corpos naturais, ou seja, a ideia de que existe algo natural na heterossexualidade e, em consequência disso, de contranatural na lesbianidade. Ser lesbiana, para essas autoras, era opor-se à hierarquia sexual, que divide o mundo em masculino e feminino. Ser lesbiana era, então, uma política contra a divisão assimétrica dos gêneros [3].

Estima-se que a cada ano cresce o número de vítimas da violência lesbofóbica, transfóbica e homofóbica. São muitos exemplos de situações que vão do insulto verbal até violências físicas e assassinatos covardes. Cabe aos grupos e ativistas a árdua tarefa de pressionar para a consolidação de leis, exigindo justiça e criando as contranarrativas e imagens propositivas. Como disse no início desta reflexão, o preconceito incide em maior ou menor grau sobre alguns corpos. As mulheres desfem, como são nomeadas as lésbicas desfeminilizadas, são acusadas de “parecer homem”. A ideia de uma masculinidade hegemônica, natural e legítima é uma das bandeiras do machismo. É graças a essa crença que é possível imaginar que as lésbicas desejam “imitar os homens”.

Para Luce Irigaray, o corpo feminino apresenta uma sexualidade plural e é imprescindível inventarmos uma linguagem do nosso corpo para além das palavras criadas pelos homens e consolidadas nos saberes hegemônicos, sejam os biomédicos ou os psicossociais. Os encontros de mulheres marcam nos corpos novas conexões e linguagens para além das marcas impostas pelo patriarcado [4].

Uma lésbica desfem assume uma postura social contra-hegemônica. Ser sapatão, caminhoneira, fancha é motivo de orgulho para muitas lésbicas. A sexualidade calcada nos polos ativo-passivo é uma invenção baseada na visão masculinista. O corpo feminino é múltiplo! Combater a tirania machista é uma árdua tarefa que começa pela construção de modos de vida mais críticos e criativos para além dos tentáculos do patriarcado.

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Patrícia Lessa – Feminista ecovegana, agricultora, mãe de pessoas não humanas, pesquisadora, educadora e escritora.

 

 

Referências

[1] PATEMAN, Carole. O contrato sexual. Tradução de Marta Avancini. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4403853/mod_resource/content/1/O%20Contrato%20Sexual%20-%20Carole%20Pateman.pdf. Acesso em: 19 fev. 2024.

[2] PERES, Milena Cristina Carneiro; SOARES, Suane Felippe; DIAS, Maria Clara. Dossiê sobre lesbocídio no Brasil: de 2014 até 2017. Rio de Janeiro: Livros Ilimitados, 2018. Disponível em: https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/fontes-e-pesquisas/wp-content/uploads/sites/3/2018/04/Dossi%C3%AA-sobre-lesboc%C3%ADdio-no-Brasil.pdf. Acesso em: 19 fev. 2024.

[3] LESSA, Patrícia. Chanacomchana e outras narrativas lesbianas em Pindorama. Belo Horizonte: Editora Luas, 2021.

[4 ] IRIGARAY, Luce. Ce sexe qui n’em est pás un. Paris: Éditions de Minuit, 1977.

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Vamos mulherizar a ciência!

Vamos mulherizar a ciência!

A ciência brasileira ainda é feita em grande parte pelos homens, brancos e cis, mas o empenho de algumas pessoas e grupos de mulheres que dedicam tempo de suas vidas para mudar essa realidade está começando a produzir resultados. Exemplar nessa frente de batalha é o trabalho da pesquisadora Fanny Tabak, fundadora de um dos primeiros grupos da área: Núcleo de Estudos sobre a Mulher (NEM), no final de 1980, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Tabak é autora do livro O laboratório de Pandora: estudos sobre a ciência no feminino, em que radiografa a condição das mulheres que fazem ciência no Brasil e alerta para a situação de desigualdade no mundo acadêmico – que, segundo ela, só deixará de existir se forem tomadas medidas de incentivo à participação das mulheres na ciência, tal como criação de grupos de pesquisa, núcleos, disciplinas, cursos de pós-graduação, linhas de pesquisa etc. [1]

Londa Schiebinger afirma que de todas as áreas das ciências naturais a Biologia é a que mais sofreu impacto dos estudos feministas e de gênero. O debate é recente, tem pouco mais de quatro décadas, e as causas e consequências são objetos da investigação de filósofas/os, cientistas naturais e sociais. Ela pergunta: O feminismo mudou a ciência? Nessa obra ela afirma uma série de mudanças nos processos de investigação de diversas áreas da ciência. Tais mudanças em áreas como arqueologia, primatologia e reprodução parecem ser mais sensíveis às análises de gênero, mostrando, inclusive, erros metodológicos no processo investigativo, os quais, por sua vez, geram diferentes interpretações da realidade fenomênica e, tão logo, de nossa história natural. Erros que são apontados pelas pesquisadoras e demonstram um olhar atento para resultados que reafirmam a prerrogativa excludente.

Escreve a autora: “A ciência moderna é um produto de centenas de anos de exclusão das mulheres, o processo de trazer mulheres para a ciência exigiu, e vai continuar a exigir, profundas mudanças estruturais na cultura, métodos e conteúdo da ciência. Não se deve esperar que as mulheres alegremente tenham êxito num empreendimento que em suas origens foi estruturado para excluí-las” [2]. As análises de Londa demonstram que a luta é necessária e não deve ser circunscrita a uma única área. Ela aponta que as instituições de ensino superior e de fomento à pesquisa, ao omitirem o debate feminista, pretendem com isso descaracterizar a questão política e reduzi-la a uma “questão de mulher”.

A discussão é longa e ajuda a compreender o fato ocorrido no final de 2023, no Brasil. A professora universitária Maria Caramez Carlotto, da Universidade Federal do ABC, fez uma denúncia em suas redes sociais a respeito da discriminação de gênero em parecer do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com relação ao seu pedido de bolsa produtividade. Após a sua denúncia, uma avalanche de outros casos vieram à tona.

Segundo a docente, o parecer emitido pelo CNPq negou o seu pedido, apesar de reconhecer a importância de sua carreira, alegando que ela não fez pós-doutorado no exterior, pois “provavelmente suas gestações atrapalharam essas iniciativas”. Diante do acontecimento, vale ressaltar duas questões: o requisito de local de realização do pós-doutorado não estava previsto no edital e as gestações da docente não são relevantes para a sua profissão e jamais poderiam servir para desmerecer seu trabalho acadêmico.

A professora Cibele Russo, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade Federal de São Paulo teve o pedido de bolsa negado. O parecer mencionou a maternidade como justificativa para a baixa produtividade na produção científica, alegando que o período pós-parto afetou suas publicações e o número de orientações no programa de pós-graduação.

Os pareceres revelam um sistema de avaliação que resulta em desencorajamento para que as mulheres que são pesquisadoras e mães persistam na carreira acadêmica. Com a polêmica, o debate fomentou outros questionamentos: quais são os critérios para participar da seleção? Podem as agências de fomento utilizar dados da licença-maternidade? Quantas mulheres perderam suas bolsas de produtividade no período da pandemia por terem acumulado trabalho doméstico e ajuda na educação de suas crianças e jovens? Os resultados desse processo revelaram o machismo, a misoginia e o sexismo de uma sociedade pautada em valores coloniais e patriarcais.

Vários grupos de pesquisa e instituições estão fazendo forte pressão para que o governo federal adote medidas que garantam um processo justo e coerente. Como resposta, o CNPq emitiu uma nota no dia 06/01/2024 na qual admite “equívoco na avaliação”. Ao utilizar a gravidez e a maternidade como critério de exclusão, a agência fere os preceitos de representatividade e inclusão defendidos em suas proposições. A nota emitida não atende as demandas dos grupos que consideram que o processo de seleção deveria ser cancelado e refeito sob novas bases, com critérios mais justos e equânimes.

A divisão sexual do trabalho é uma das estratégias coloniais e patriarcais para a manutenção das desigualdades sociais. Alguns grupos irão participar da produção e outros da reprodução. Ela não é igual ao redor do mundo, portanto está intimamente afetada por questões étnicas, de classe social e de gênero. Patrícia Karina Vergara Sánchez escreve: “Teorizar é algo que não está ao alcance de qualquer mulher que não necessariamente entenda ou escreva as linguagens acadêmicas, que talvez não se utilize dos formatos impostos para escrever (…). Essa situação é muito conveniente para manter o mundo tal qual existe hoje!” [3]. Manter as mulheres circunscritas ao ambiente doméstico é uma estratégia política colonial/patriarcal. Enquanto isso, as mulheres pesquisadoras e cientistas seguem na luta.

Vamos aguardar os desdobramentos do caso da discriminação de gênero na distribuição de bolsas de pesquisa no Brasil. Não vamos aguardar paradas, o mais importante é a tomada de medidas para barrar este tipo de avaliação imparcial e, sobretudo, exigir que um número maior de mulheres, de pessoas negras, indígenas e LGBT participem destas avaliações e possam construir novas bases para uma educação que contemple as diferenças.

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Patrícia Lessa – Feminista ecovegana, agricultora, mãe de pessoas não humanas, pesquisadora, educadora e escritora.

 

 

 Referências

[1] TABAK, Fanny. O laboratório de Pandora: estudos sobre a ciência no feminino. Rio de Janeiro: Garamond, 2002.

[2] SCHIEBINGER, Londa. O feminismo mudou a ciência? Bauru: Edusc, 2001. p. 37.

[3] SÁNCHEZ, Patrícia Karina Vergara. Siwapajti: medicina de mulher. Memória e teoria de mulheres. Belo horizonte: Editora Luas, 2022. p. 20.

[4] Na imagem, a primeira pessoa programadora de computadores do mundo: Augusta Ada Byron King, conhecida como Ada Lovelace.

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Solta a voz, garota!

Solta a voz, garota!

O Dia Internacional das Meninas, 11 de outubro, foi criado pela Organização das Nações Unidas em 2012. A data é pouco conhecida e sua gênese colabora na reflexão acerca da educação de milhares de meninas ao redor do mundo. O que nos faz pensar sobre as oportunidades e os pilares que estamos construindo para o futuro delas.

Sabemos que no Sul Global crianças e jovens sofrem maior vulnerabilidade social. Dentre os agravos sociais estão: a falta de acesso aos estudos, a exploração do trabalho infantil, a violência doméstica, a pedofilia, a saúde precarizada, a vulnerabilidade territorial, a insegurança alimentar, dentre outros fatores. Segundo o Instituto Patrícia Galvão, o “estupro de vulnerável: crianças e adolescentes de até 13 anos são mais da metade das vítimas de violência sexual (57,9%)” [1]. O Brasil ocupa o 2º lugar no ranking de exploração sexual infantil, segundo a ChildFund Brasil.

Para uma análise do contexto brasileiro, é importante interseccionalizar as desigualdades de gênero, etnia/raça e classe. Segundo o Atlas da Violência produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada: “Em 2019, 66% das mulheres assassinadas no Brasil eram negras. Em termos relativos, enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras foi de 2,5, a mesma taxa para as mulheres negras foi de 4,1. Isso quer dizer que o risco relativo de uma mulher negra ser vítima de homicídio é 1,7 vezes maior do que o de uma mulher não negra, ou seja, para cada mulher não negra morta, morrem 1,7 mulheres negras” [2]. Portanto, as mulheres e as meninas não brancas são mais vulneráveis ainda.

Muitas meninas do Sul Global são diretamente afetadas pelos horrores da pobreza extrema, das guerras, do trabalho infantil, da exploração sexual, da fome, da violência em suas inúmeras manifestações. Segundo o levantamento da UNESCO, em 2016, cerca de 16 milhões de meninas entre 6 e 11 anos nunca irão à escola [3]. Os dados são alarmantes e merecem um olhar cuidadoso.

Em face dos problemas que atormentam as jovens ao redor do globo, vemos um movimento nunca antes percebido ao longo da história. Para Philippe Ariès, em seu estudo sobre a representação da criança na iconografia medieval, o sentimento de infância, aqui entendido como a consciência de sua particularidade, estaria ausente na maioria das representações da criança, na medida em que nelas se retratava um ser com feições de adulto num corpo com pequenas proporções, uma miniatura de adulto. Para ele, “é difícil crer que esta ausência se devesse a incompetência ou a falta de habilidade. É mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse mundo” [4].

De uma ausência da infância na história vemos emergir, na atualidade, movimentos de grande alcance social idealizados por crianças e jovens. Nunca houve nada parecido na história. As crianças estão lutando para salvar o mundo que os adultos destroem continuamente. Muito ainda será estudado sobre esse fenômeno contemporâneo. Para tal propósito, é preciso entender o que as move, por exemplo, nesta declaração: “Como nossos líderes comportam-se como crianças, nós teremos que assumir a responsabilidade que eles deveriam ter assumido há muito tempo atrás”, afirmou a sueca Greta Thunberg durante a Cúpula do Clima, realizada na Polônia em dezembro de 2018.

Enquanto os adultos se comportam de forma infantilizada e colocam em risco o futuro da humanidade, as crianças tomam a frente dos dilemas que atormentam o mundo. Para pensar nessa perspectiva, selecionei alguns nomes de meninas para conhecermos as suas bandeiras de luta. O nome de Greta Thunberg já ecoou por todos recantos e motiva afetos e desafetos, sobre ela existem vários livros traduzidos em muitos países. E em 2023 ela publicou sua primeira obra: The climate book. Com certeza muitas outras virão, aguardamos a tradução para o português.

Como ela, outras meninas fazem movimentos importantes para abordar temas urgentes. Você já ouviu falar na Ellyanne Wanjiku, Autumn Peltier, Txai Suruí, Malala Yousafzai ou Ahed Tamimi? Pois bem, são meninas que estão fazendo história e já são ativistas reconhecidas mundialmente.

O livro Trois filles debout: Greta, Ellyanne, Autumn, engagées pour le climat, escrito por Séverine Vidal e ilustrado por Anne-Olivia Messana, aborda a história do engajamento das jovens ativistas em prol da questão climática. Elas vivem em diferentes continentes, lutam contra o desmatamento, abordam alguns temas como as mudanças climáticas, o agronegócio, o envenenamento da terra, o veganismo, a ecologia, dentre outros. Todas são reconhecidas por suas ações e discursos bem fundamentados [5].

Ellyanne Wanjiku nasceu em 2011 na República do Quênia, na África Oriental, é vencedora do prêmio Eco Warrior. Em 2018, ela foi nomeada a Mashujaa mais jovem do Quênia, título dado para pessoas que desenvolvem projetos que ajudam a população. É a embaixadora mais jovem das mudanças climáticas do Quênia. Aos 4 anos, na escola, fizeram um projeto sobre heróis/heroínas. A lista incluía Martin Luther King, Henry Wanyoike, Uhuru Kenyatta, Florence Nightingale, Barack Obama, Wangari Maathai, Nelson Mandela e Mahatma Gandhi. Inspirada neste trabalho, ela começou a estudar e trabalhar para reflorestar. Wangari Maathai, educadora e ativista política do meio ambiente do Quênia, tornou-se uma referência para a menina que decidiu seguir os seus passos. Foi assim que, aos dez anos, Ellyanne se tornou a força motriz para a plantação de milhares de árvores em seu país.

Ela participou da COP28 e, em junho de 2023, ministrou palestra junto com Licypriya Devi Kangujam – ativista da Índia, com 12 anos de idade – e Chloe Ochalik – de 11 anos, nascida em Fiji, hoje vive na Polônia. As três meninas ministraram conferência em evento online internacional sobre a questão ecológica. Em um contexto onde muitos adultos fogem dos estudos e usam as redes sociais para falar todo tipo de absurdo, é inusitado ver meninas criando propostas, estudando e discursando em eventos internacionais sobre o que devemos fazer pelo nosso planeta para “adiar o fim do mundo”, como diz Ailton Krenak.

Autumn Peltier é uma indígena Anishinaabe que nasceu em 2004 no Canadá. Ela é a protetora chefe da Água da Nação Anishnabek, é conhecida como a guerreira da água.  Aos 13 anos ela discursou na Assembleia Geral da ONU, recebeu a Medalha Soberana de Voluntariado Excepcional do Governador-Geral do Canadá e do Vice-Governador de Ontário. Ela foi palestrante de destaque no Fórum Econômico Mundial, foi selecionada quatro vezes para o Prêmio Internacional da Paz para Crianças e, em 2021, foi incluída na lista das 50 maiores personalidades canadenses da Macleans Canada’s Magazine. Em 2022, Peltier foi homenageada com Honoris Causa da Royal Roads University, recebeu o prêmio Daniel Hill da Comissão de Direitos Humanos de Ontário e o prêmio de líder canadense emergente do Fórum de Políticas Públicas. Em 2023 foi lançado na HBO Canadá o documentário The Water Walker, sobre a jovem indígena.

Outra indígena com reconhecimento internacional é Txai Suruí, nascida em Rondônia, em 1997. Ela é uma conhecida ativista brasileira da etnia suruí, é feminista, participante ativa do Movimento da Juventude Indígena e integrante do Kanindé, movimento em defesa dos direitos indígenas. Foi a primeira indígena a discursar na abertura de uma Conferência das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas, COP26, em 2021.

Ela é poliglota, e foi na “escola de brancos” que ela descobriu o que significa racismo. Sempre foi uma aluna de destaque, o que a levou a entrar na faculdade antes mesmo de terminar o ensino médio. Foi aprovada no Enem na Universidade Federal de Rondônia para cursar Direito e teve que entrar com um mandado de segurança para que a aceitassem. Ela cursou o último ano do ensino médio e o primeiro de faculdade juntos, onde seguiu enfrentando a rotina do preconceito e do bullying. Foi a única indígena de sua turma. Ela é conselheira do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, da World Wildlife Fund (WWF) e do Pacto Global da ONU, além de voluntária da ONG Engajamundo. Txai Suruí é exemplo para outras meninas indígenas.

A dificuldade de acesso à educação é uma questão que remete ao sexismo, ao racismo e ao classismo. Uma das barreiras é a falta de acesso a escolas e falta de apoio do Estado. Há casos mais graves nos quais o Estado proíbe as meninas de estudar, foi o que ocorreu com Malala Yousafzai – nasceu no Paquistão em 1997 e mora na Inglaterra.  Aos 13 anos, ela alcançou notoriedade ao escrever para um blog explicando sua vida sob o regime do Tehrik-i-Taliban Pakistan (talibã paquistanês). O regime fechou escolas públicas e proibiu a educação de meninas entre 2003 e 2009.

Em 9 de outubro de 2012, ela foi atacada por um miliciano talibã, foi alvejada na cabeça e passou por várias cirurgias. Assim como ela, outras meninas também foram baleadas quando saíam da escola. Ao redor do colégio onde as meninas estudavam, uma multidão foi protestar. O caso ganhou repercussão mundial. Malala ficou quase um ano internada e recebeu apoio de figuras ilustres como Susan Rice, Desmond Tutu, Barack Obama, Madonna dentre muito outros nomes. Em 12 de julho de 2013, Malala comemorou seu aniversário de 16 anos discursando na Assembleia da Juventude na ONU em Nova Iorque. Ela falou sobre o direito das meninas aos estudos. Desde então, ela tornou-se um símbolo global na luta pelo direito das meninas aos bancos escolares. Em 2014, ela tornou-se a pessoa mais jovem a ter ganhado o Prêmio Nobel da Paz.

E por fim, não podemos esquecer de Ahed Tamimi, que luta desde a infância pela libertação da palestina. Ela nasceu na Cisjordânia em 2001. Ficou mundialmente conhecida em 2012, aos 11 anos de idade, quando foi filmada resistindo à prisão de sua mãe. Em 2017, esteve nas manifestações contrárias à decisão dos Estados Unidos de reconhecerem Jerusalém como capital de Israel. Foi pressa em 2018 e no dia 6 de novembro de 2023. A notícia de sua prisão chegou em meio ao novo massacre perpetrado por Israel, que alega estar em guerra contra o Hamas, mas mata civis e explode crianças e bebês. O Hamas é uma milícia de resistência palestina fundada nos anos 1980. A invasão de terras, a tortura, o trabalho escravo, a expulsão e o extermínio do povo palestino começaram em 1948 [6]. Vale lembrar que violência gera violência, portanto não é possível imaginar um povo sendo exterminado de forma pacífica. Como dizia Mahatma Gandhi, “olho por olho” e um dia toda humanidade estará cega.

Sabemos que o exército e a polícia de Israel são extremistas, violentos e uma das forças armadas mais cruéis da história. Lamentavelmente, o povo judeu sofreu as consequências do nazismo na Alemanha, agora os sionistas reproduzem a violência e o genocídio de um povo. O holocausto palestino é um projeto colonizador sionista dos Estados Unidos e da Europa para exterminar um povo e “recompensar” os judeus, que foram algumas das vítimas do nazismo. Ironicamente, hoje os sionistas são nomeados nazisionistas, e o extermínio de palestinos já é bem maior que o de judeus promovido por Hitler.

O mundo está indo às ruas pelo povo palestino. A jovem Ahed Tamimi foi uma das reféns liberadas durante o período de trégua para troca de prisioneiros políticos. Muito foram os relatos de tortura e crueldade dentro das prisões israelenses. Hoje as pessoas do mundo todo estão acordando e lutando contra o sangrento colonialismo perpetrado contra os palestinos por Israel, com apoio e financiamento de armas dos EUA e da Europa. Assim como os povos indígenas da América Latina e o povo negro da África, a Ásia e o Oriente Médio são sempre os alvos dos imperialistas no Norte Global que, para saquear terras e recursos naturais, perpetua a barbárie durante séculos.   

Ao ler e saber sobre as meninas ativistas, podemos arrancar um sopro de esperança para o futuro. Esperamos que os meninos sejam ensinados e aprendam a gostar mais dos livros e dos estudos do que das armas e da violência. No início do século XX, anarquistas pacifistas usavam o termo “bala de canhão” para os homens que se alistavam nos exércitos para matar quem eles não conheciam e morrer em nome dos imperialistas, que nunca vão para a guerra. Quem sabe deixando de sonharem em tornar-se uma “bala de canhão” e se empenhando nos estudos, os meninos poderão se engajarem em alguma causa coletiva e, lado a lado com as meninas, construírem um futuro melhor para as próximas gerações.  

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Patrícia Lessa – Feminista ecovegana, agricultora, mãe de pessoas não humanas, pesquisadora, educadora e escritora.

 

 

Referências

[1] VIOLÊNCIA CONTRA as mulheres em dados: plataforma reúne pesquisas, fontes e sínteses sobre o problema no Brasil. Agência Patrícia Galvão. Disponível em: https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia-em-dados/sobre-esta-plataforma/. Acesso em: nov. 2023.

[2] CERQUEIRA, Daniel. Atlas da violência 2021. São Paulo: FBSP, 2021. p. 38.

[3] TOKARNIA, Mariana. Unesco: quase 16 milhões de meninas de 6 a 11 anos no mundo nunca irão à escola. Agência Brasil, 3 mar. 2016. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2016-03/quase-16-milhoes-de-meninas-entre-6-e-11-anos-nunca-irao-escola-diz-unesco. Acesso em: nov. 2023.

[4] ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. p. 54.

[5] VIDAL, Séverine. Trois filles debout: Greta, Ellayanee, Autumn, engagées pour le clima. Anne-Olivia Messana (ilustradora). Paris: Jungle, 2022.

[6] SAID, Edward W. A questão da Palestina. São Paulo: Editora Unesp, 2012.

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Nem toda feiticeira é corcunda

Nem toda feiticeira é corcunda

Texto dedicado à minha avó materna, Conceição Nunes Lessa, benzedeira.

 

Na letra da música Pagu, de Rita Lee, as feiticeiras não obedecem aos clichês de corcundas ou feias. Estão por toda parte. Fazem da sua história um grito de alerta. A roqueira escreve:

“Mexo, remexo na inquisição

Só quem já morreu na fogueira

Sabe o que é ser carvão”

(Rita Lee – 2004).

A história das bruxas merece ser recontada para que não se apague da memória coletiva a apropriação dos conhecimentos tradicionais das mulheres realizada para facilitar a aceitação da medicina como ciência da cura.

As mulheres reconhecidas como bruxas eram membros fundamentais da comunidade campesina na Europa medieval. Elas eram as médicas, as conselheiras, as parteiras, as guardiãs da vida e da morte. Além disso, as mulheres foram pioneiras nos estudos e nas práticas de cultivo e manejo de plantas medicinais. Não somente na Europa, mas ao redor do mundo. Elas eram médicas sem diploma, passavam seus conhecimentos de geração em geração de forma oral. Bruxas, feiticeiras, parteiras, rezadeiras, curandeiras, erveiras, eram, portanto, mulheres sábias que ajudavam a comunidade e aconselhavam na tomada de decisões. 

O período caracterizado pela caça às bruxas foi amparado por justificativas inventadas pelo clero europeu. O mais famoso documento criado para fundamentar a perseguição às mulheres foi o Martelo das Feiticeiras (Malleus Maleficarum), primeiro manual inquisitorial endossado pelo papa, publicado em 1486. O livro defendia que a feitiçaria era resultado direto de um pacto com o demônio, que a mulher era sexualmente insaciável e, portanto, vulnerável às tentações do diabo. Foi uma invenção da igreja para facilitar a aceitação dos homens como terapeuta, pois, “durante a caça às bruxas, a igreja legitimou a profissão dos médicos, já recomendada pelo Martelo das Feiticeiras, que declarava: “uma mulher que tenha a ousadia de curar sem haver estudado é uma bruxa e deve morrer” (Telles, p. 45).

A repressão, perseguição e extermínio de mulheres acusadas de estarem “endemoniadas” foi uma disputa pelo monopólio político e econômico. Os algozes visavam uma institucionalização da teoria e da prática medicinal. Para alcançarem o seu objetivo, fizeram uma campanha de terror contra as mulheres. O Martelo das Feiticeiras oferecia instruções detalhadas para o uso da tortura com a finalidade de arrancar confissões e denúncias de novas acusadas de pacto com o diabo.

A apropriação dos saberes e das práticas de curandeirismo das mulheres se deu à custa de muita violência e terror. A medicina nasceu do sangue derramado das mulheres. As feiticeiras já utilizavam, muito antes da medicina e da farmacologia, os analgésicos, digestivos e tranquilizantes. Usavam a beladona, entre outras funções, para inibir as contrações uterinas quando havia risco de aborto espontâneo. Existem indícios de que a digitalina (extraída da Digitalis purpúrea), fármaco usado para tratamento de doenças cardíacas, foi descoberto por uma bruxa inglesa. Apesar dos registros históricos, os livros de medicina inventam nomes de homens que supostamente teriam “descoberto” a planta séculos depois de seus usos pelas bruxas. Muitos registros mostram o uso das plantas durante os trabalhos de cura: “A beladona cura a dança fazendo dançar” (Michelet, p. 107).

As benzedeiras e rezadeiras foram perseguidas com aval do Estado e, para elas, muitas dedicatórias são feitas hoje por mulheres, como o poema de Keyane Dias:

 

Benza

Por Keyane Dias

 A bença da velha, eu peço,
Pra bem ficar protegida.
Em mão rugosa, confio
A benza da fé acolhida.

Com ramo tira quebranto,
Mistério pouco revelado.
Ave Cruz, canto em credo!
Sara do mau olhado.

Socorro de mulher prenha,
Aconchego para criança.
Ajuda com erva santa
Corpo fraco que se cansa.

É dom, fonte ancestral,
Quem recebe esse saber.
E se tiver pouca fé,
Nem adianta se benzer.

Elas resistem na cidade
E nas matas do interior.
Senhoras de valentia,
Guerreiras do bom senhor.

Trabalho de caridade,
Auxílio pra alma sofrida.
Com jejum e bom respiro
Apruma espinhela caída.

Sincretismo de benfeitura,
Catolicismo popular.
No terreiro, na pajelança,
Baixinho a sussurrar:

“Quem pra ti olhô
Com os olho malvado
Eu vou jogar nas onda
Do mar sagrado.”

Tal qual essas senhoras,
Tem os velho rezador.
Trabalham com a mesma fé,
Com a força do mesmo amor.

Salve Deusa!, essas mão santa.
A cura do benzimento!
Escudo da santa cruz.
A graça que traz alento.

(Poesia dedicada à Dona Pedralina, benzedeira de Ribeirão da Areia – MG.)

As bruxas verdes estão redescobrindo o valor das plantas e seus usos nas infusões, nos chás medicinais, nos banhos de ervas e noutras práticas. Suas práticas, somadas aos benzimentos e banimentos, estão sendo recuperadas por mulheres e grupos de mulheres empenhadas no resgate de uma história secular. Vale lembrar o registro de Jules Michelet: “O obstáculo não é o rancor. Os mortos estão mortos. Os milhões de vítimas – albigenses, valdenses, protestantes, mouros, judeus, índios da América – dormem em paz. O mártir universal da Idade Média, a feiticeira, nada diz. A cinza está ao vento” (p. 274). Bruxas, feiticeiras, benzedeiras, curandeiras, erveiras, mulheres da terra, parteiras, rezadeiras estão entre nós para reconstruir a história e registrar novas formas de ver, sentir e agir em meio à natureza. 

 

Sugestões de leitura:

EHRENREICH, Barbara; ENGLISH, Deirdre. Bruxas, parteiras e enfermeiras: uma história das curandeiras.

ILHEO, Mariana de Carvalho. Tradição e prática: um estudo etnográfico do benzimento em Campestre (MG). Campinas: Setor de publicações, 2027.

MILHELET, Jules. A Feiticeira: 500 anos de transformações na figura da mulher. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.

TELLES, Norma. Ronda das feiticeiras. Belo Horizonte: Editora Luas, 2021.

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Patrícia Lessa – Feminista ecovegana, agricultora, mãe de pessoas não humanas, pesquisadora, educadora e escritora.

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Quinta-feira, 12 de outubro de 2023 – Lua nova

Quinta-feira, 12 de outubro de 2023 – Lua nova

Tenho há dias, meses (a vida inteira, talvez?), revisitado lugares profundos em mim, que têm a ver com um passado longínquo, e feito muitas perguntas… quem fui, quem sou agora, o que desejo, quando e como e por que surgiu algo transformador em mim… tantos lugares, tantas transformações… e um desses lugares são os livros, que por si só não são transformadores, transformam porque acontece o encontro, porque toca (ou não) quem lê.

Eu despertei interesse pela leitura, que eu me lembre, na adolescência, mas muito espaçadamente – lia os títulos obrigatórios da escola, alguma indicação ou influência de irmãs (minha irmã mais velha lia muito Paulo Coelho, cheguei a ler alguns), do meu avô, de professor(a), colega, amiga(o), enfim. Dessas leituras, nada que me fizesse parar tudo e ler avidamente ou querer mais. Isso só foi acontecer, apaixonadamente, quando, por causa de um vestibular seriado, tive de ler cinco obras de autoras brasileiras: Clarice Lispector, Nélida Piñon, Cecília Meireles, Cora Coralina e Hilda Hilst. (explosão) como escreveria a Clarice em alguns de seus maravilhosos livros…

Minha vida mudou completamente a partir do primeiro livro dessa leva que li: Um sopro de vida – pulsações, da magnífica Clarice. Como esse livro me fez eu me comunicar tão profundamente comigo… me instigava, me inspirava, me deixava estarrecida, sensação de que nada mais importava: “… depois de ter você, pra que querer saber que horas são?” rsrs.

Aí eu quis ler tudo dela e sobre ela, passei a frequentar assiduamente a biblioteca municipal e da escola (pública, estadual). Romances, contos, crônicas, cartas, biografias… e a partir daí fui adentrando o universo da Clarice e o meu, fascinada. Então a vida não era só dar conta das obrigações, existia um universo diverso, confuso, bizarro, incrível, sensível e horrendo dentro de mim e daqueles livros. Então veio Virginia Woolf, Simone de Beauvoir, Fernando Pessoa, Nietzsche… e os livros passaram a ser espelhos, mas não só. Porque havia revelações. Havia tanta humanidade, e isso me humanizava, me fazia sentir, e eu me tornava alegria pura ou tristeza profunda ou empolgação ou melancolia, me afetava como nenhuma outra coisa.

Foi daí que nasceu minha vontade de ocupar completamente minha vida com a literatura, os livros, a palavra escrita. Quis ser escritora – escrevia poemas e alguns contos, jogava muita coisa fora, guardava outras –, mas rapidamente achei que não era capaz, por pura comparação e baixa autoestima e imaturidade, claro; vislumbrei um dia ter um sebo, pensava que poderia viver a vida inteira em um, independente de onde moraria – também tinha um sonho de sair do interior de Minas, mas, na época, não via possibilidade de isso acontecer. Ser editora mesmo, não cheguei a pensar nisso naquela época, mas decidi fazer o curso de Letras, para estudar literatura.

Fui desejar abrir uma editora na graduação – momento propício para expandir os universos… lembro carinhosamente de, lá em Viçosa na UFV (2008 a 2010), falar, com convicção, com uma colega de graduação e amiga poeta, que sempre me mostrava seus fortes e excelentes poemas, que, quando tivesse minha editora, publicaria o livro dela. Quem diria que 10 anos depois estaria mesmo abrindo minha editora…

 

Eu não poderia estar fazendo outra coisa. Como é incrível ter essa certeza.

E assustador também.

 

As palavras me conectam com meu mundo interno. Eu que, facilmente, me distraio de mim… Os livros, mas não por si só me conectam com tantos mundos possíveis da nossa humanidade. Existe beleza e horror nisso. Um imenso paradoxo.

(Parece que a lua está em escorpião… talvez por isso estou assim hoje, vasculhando mais que os outros dias. E expressar, colocar em palavras, é uma necessidade que me acompanha desde que me entendo por gente. Quero entender, entender e comunicar, sempre.)

Isso sou eu. E tantas outras coisas também.

Meu mundo interno e o mundo externo mudam através dos livros. Eles me conectam também com o outro, com as pessoas. Eu me sinto em conexão profunda, empatia radical, amor incondicional – espiritualidade, talvez, seria o nome. 

Ser editora é mais que um ofício. Eu não poderia fazer qualquer coisa que não fosse movida pela paixão. Eu sou uma pessoa apaixonada. Apaixonadíssima. Falo isso hoje de um outro lugar – já fui muito criticada por isso, o que me fazia me ver equivocadamente mal, com os olhos dos outros, e sufocar a mim mesma (com redundância mesmo, reforçando a gravidade rs).

Ser uma pessoa movida pela paixão faz com que o meu tempo seja muito peculiar. Às vezes demoro para começar a ler um(uma) autor(a), livro, artista, músicas que muita gente indica. Tem que me tocar profundamente num lugar muito meu – e cada um tem esse lugar, claro. Talvez o meu seja o lugar que faz com que eu me conecte comigo mesma, porque esse é meu maior desafio. (Isso está no meu mapa astral também, com um Nodo norte em áries.) Tenho uma tendência de colocar o outro em primeiro lugar, de me sentir através do outro… Com o tempo, fui descobrindo o quanto isso me deixa vulnerável e contra mim mesma. Tenho descoberto, na verdade.  O tempo é mesmo nosso melhor amigo…

Trabalhar com livro me conecta comigo, e estar com mulheres me transforma o tempo inteiro. E isso é fascinante. Eu não poderia ter feito algo que não fosse fundar uma editora que publica exclusivamente livros escritos por mulheres e que são feitos por nossas mãos.

(Penso criticamente na questão do binarismo, se não estaria reforçando… mas me tranquilizo por saber que a desconstrução desse sistema vem das feministas, e estamos lidando com isso. Tudo em transformação, sempre.)

Sou muito grata a parte de mim que seguiu o imperioso desejo de estar no mundo dos livros e ser feminista e trilhar meu caminho sob essa base.

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   Cecília Castro – Fundadora e diretora editorial da Editora Luas. Nasceu no norte de Minas, é feminista, ativista, apaixonada por livros, poesia e literatura.

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