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Monthly Archives: janeiro 2021

Pelo direito de sonhar

Resenhista: Débora Araújo, graduanda em Letras pela UFMG e representante pelo DCE das Moradias Universitárias da UFMG.

Quando cunhou o termo escrevivência,[1] Conceição Evaristo queria dar luz a uma forma de escrita, a qual ela vai descrever como escrita de dentro, que tivesse um poder intrínseco em que o porta-voz do drama literário é também uma pessoa real que poderia estar no lugar daquele que é personagem na trama. Em uma entrevista, ela resgata de um de seus escritos uma frase extremamente marcante. Ela diz: “Escrever é uma forma de sangrar, e a vida é uma sangria desatada”.[2]

De muitos modos, foi em Conceição e na sua escrevivência que eu pensei ao passar meus olhos pela primeira vez por Memória jovem: livro de memórias da Moradia Universitária da UFMG:[3] um ambicioso projeto apresentado como trabalho de conclusão de curso pela graduanda em Letras e escritora Íris Ladislau, em 2019, e publicado em 2020 pela Editora Margem, uma editora independente da qual a autora também é uma das idealizadoras.

O livro é todo artesanal, com encadernação costurada, capa dura feita de papel cartão Horlle cinza (3mm), lombada de tecido tricoline e acabamento muito bem feito, em 262 páginas. A obra é composta por relatos colhidos pessoalmente pela própria autora, através de entrevistas, retratando vivências reais de pessoas reais que, como ela, fazem ou fizeram parte do programa de moradia da Universidade Federal de Minas Gerais, mais especificamente das Moradias Universitárias Ouro Preto, situadas em Belo Horizonte. O Programa Permanente de Moradia Universitária é um projeto da UFMG que, através da Fundação Mendes Pimentel (FUMP), possibilita que alunas e alunos de todo o país, que não têm condições financeiras de se manterem em Belo Horizonte, residam, gratuitamente, nos apartamentos que compõem os três complexos de prédios situados na Avenida Fleming, no bairro Ouro Preto. O escopo do programa é garantir o direito à educação e a permanência dos alunos na Universidade Federal.

Logo no primeiro capítulo do livro, Íris introduz, de maneira narrativa, o tema do livro e explica seus métodos. A escrita é literária a todo o momento, e ela explica a opção pela modalidade neoconfessional para o registro das narrativas dos entrevistados, o que, do ponto de vista da leitura, dá um tom mais dramático e fluido – difícil, em alguns momentos, não se revoltar com os relatos, não rir, não se compadecer. É uma leitura que desperta a sensibilidade dos leitores, e também por isso ela é tão rica e representa tanto em termos de importância social.

Claro que ainda rola aquele momento em que você tá numa roda com os seus amigos e você escuta umas coisas tipo “nossa, como assim você não conhece o Louvre?”, sabe? (…) E, assim… Você fica meio sem graça, você fala: “Então, é, não conheço, não tenho dinheiro pra ir, nunca saí do país, o mais longe que eu fui é o Rio de Janeiro”. (Memória jovem, p. 226).

São muitas as vozes que compõem esse livro. O jeito de falar dos entrevistados e os delicados comentários da autora vão dando tom às experiências trágicas e até revoltantes dessas pessoas. O leitor é convidado a uma profunda reflexão sobre privilégios, ao mesmo tempo em que, às vezes, se pergunta como é que esse tipo de vivência não é mais publicizada – ao menos não na mesma medida em que são veiculadas manchetes que se referem à universidade pública como “balbúrdia” e “gasto de dinheiro público”. Esse, definitivamente, é um livro que deveria ser de leitura obrigatória a todos os críticos das cotas e também do ensino público superior.

Especialmente por estarmos vivendo um momento de fortes tensões no tocante à luta por direitos e de ataques às universidades públicas, o livro vem para mostrar histórias muitas vezes negligenciadas no cotidiano (especialmente no atual contexto político): vidas que foram transformadas pela educação ‒ e não só pela educação ‒, mas também pela garantia do acesso e da permanência nas universidades a estudantes socioeconomicamente vulneráveis através de políticas públicas de assistência estudantil, neste caso em particular, o Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes). São histórias de pessoas cujo sonho de estudar em alguns momentos pareceu inalcançável ou impraticável, e que, hoje, ainda que com percalços pelo caminho, se concretiza ou mesmo já se concretizou.

Desde os movimentos de luta por moradia em meados dos anos de 1980, ainda sob o contexto da ditadura – e aqui cito a ocupação Borges da Costa, prédio da UFMG abandonado na época e que, até 1998, foi ocupado por estudantes pobres –,[4] até hoje, muita coisa mudou para os alunos da UFMG cujas vidas são marcadas por privações de diversos tipos e por dificuldades materiais. Essa luta não termina aqui, é claro. Como Memória jovem nos deixa saber de maneira emocionante, há muitas mentes brilhantes que apenas aguardam, nos lugares menos propícios deste país, uma oportunidade para mudarem o mundo – e também suas próprias realidades.

Memória Jovem é uma leitura dramática, que nos tensiona e compele a refletir, e que faz um convite à empatia e à união na luta pela garantia de direitos, para que a educação, enfim, seja um sonho que todos possam sonhar.

Você tem acesso ao livro aqui 

[1] EVARISTO, Conceição. Da grafia-desenho de minha mãe, um dos lugares de nascimento de minha escrita. In: Alexandre, Marcos A. (org.) Representações performáticas brasileiras: teorias, práticas e suas interfaces. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2017, p. 16-21.

[2] EVARISTO, Conceição. CONCEIÇÃO EVARISTO | Escrevivência. 2020. (23m17s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=QXopKuvxevY >. Acesso em: 16 out. 2020.

[3] LADISLAU, Íris. Memória Jovem: livro de memórias da Moradia Universitária da UFMG. Belo Horizonte, MG: Margem, 2020.

[4] Conferir em: http://www.sjpmg.org.br/2016/10/coletivo-quer-resgatar-historia-da-ocupacao-estudantil-borges-da-costa/.

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As múltiplas Ana Elisa Ribeiro – Entrevista

Nossa entrevistada do mês é a professora e escritora Ana Elisa Ribeiro. Mineira de Belo Horizonte (1975), ela reside na mesma região desde a infância, numa história de afetos que remonta aos seus antepassados, quando da industrialização da cidade, no começo do século XX. Autora de mais de três dezenas de livros, Ana Elisa escreve poesia e prosa, para adultos e jovens, há mais de vinte anos. Os livros mais recentes de poesia são Álbum (Relicário, 2018), vencedor do prêmio nacional Manaus, e Dicionário de Imprecisões (2019, Impressões de Minas), finalista do Jabuti 2020. As pesquisas acadêmicas da professora têm focalizado o tema da edição de livros por mulheres, uma investigação necessária, já que há uma grande lacuna sobre essa história no Brasil. As perguntas que fizemos à poeta foram elaboradas por Lorrany Mota, estudante de Letras (Tecnologias da Edição) do CEFET-MG. 

1 – Ana, você, entre outras coisas, claro, é escritora, pesquisadora, professora, poeta… o que mais podemos dizer sobre você?

Dessas coisas listadas, eu gosto muito de ser escritora, que também pode ser uma decorrência de ser pesquisadora. Escrever é resultado de investimento, penso. Você lê bastante, repensa o lido, investiga mais, lê com motivações e objetivos diversos, termina por ter vontade de se expressar. Acho que sempre foi assim, no meu caso. E busquei fazer disso minha profissão. A poeta nasceu dessa vontade expressiva desde cedo, mas não sei se é, hoje, minha faceta mais convicta e nem sei se a levam a sério. Nunca me bastei, sabe? Eu achar que sou poeta ou escritora nunca foi o suficiente. Sempre prestei atenção aos sinais externos, e eles demoram, nem sempre são honestos, explícitos ou justos. Já a professora é meio incidental, no sentido de que não foi algo que pensei desde sempre, desde criança. Eu apenas descobri que escolhi na vida exercer trabalhos muito difíceis, pouco valorizados, e que, incrivelmente, o de professora era o menos difícil deles e garantia minha emancipação. Mesmo assim, fiz todo o possível para alcançar um posto de professora que não inviabilizasse minha vida de escritora. É muito difícil fazer isso, mas tenho conseguido parcialmente. E, claro, sem deixar de viver as funções de mãe de um adolescente, namorada, filha, irmã, tia-madrinha, amiga de algumas pessoas, colega de várias, tentando sempre ser generosa e colaborativa.

2 – Você está pesquisando sobre mulheres editoras no Brasil, por que essa pesquisa se faz importante? O que te motivou?

Atuei como editora alguns anos, antes de assumir de vez a vida de professora. Mantenho certa vida editorial, desde então. Sempre convivi com mulheres nos bastidores desse trabalho, mas nunca as vi protagonizarem um livro de memórias dos “homens importantes e influentes”. Lendo a monumental obra do Laurence Hallewell, O livro no Brasil, também achei curioso que as mulheres fossem muito timidamente citadas, às vezes sequer seus nomes completos apareciam, em especial se não estivessem no Rio ou em São Paulo. Uma coisa dessas só pode ser parcial demais, eu pensava. Estudei as escritoras por alguns anos, interesse íntimo meu como alguém que se projeta escritora, e não via referências a outras mulheres em cargos de direção e decisão. Em especial no século XX, a história é sempre contada sobre os homens relevantes, mesmo quando são contadas por pesquisadoras ou biógrafas. Bom, era evidente que poderia ser uma lacuna nessa narrativa. Passei então a procurar os vestígios dessas possíveis editoras, o que também era difícil, pois a ausência de material sobre elas as tornava invisíveis. Daí passei a procurar as fontes primárias, isto é, os acervos de escritores ou editoriais. Aqui e ali, é possível encontrar vestígios de mulheres que fizeram parte de processos editoriais relevantes. E fui vendo em que tempos elas atuaram, consegui encontrar algumas ainda vivas, passei a entrevistar, a conseguir livros meio raros, etc. O que me motiva é que me parece possível rasurar a história editorial e mesmo literária fazendo as devidas inserções. Não é tirar ninguém, não se trata de uma competição, nesse sentido. É dizer quem mais estava ali, naquele momento; quem mais participava e tomava também decisões; quem teve aquela ideia e executou aquele trabalho; que outras pessoas, em outros lugares, também faziam, pensavam, editavam. Considero isso suficientemente importante para ser feito. Tenho investido meu tempo de pesquisadora nisso e não estou só. Reuni um grupo grande de pessoas interessadas e conheci colegas em outros países que fazem algo semelhante. Para que este trabalho vá se consolidando, é necessário que mais pessoas o desenvolvam, publiquem, institucionalizem e jamais se esqueçam de que somos várias pesquisadoras, e que citar as colegas é ético e importante. São como “pegadas” que precisamos deixar e que, hoje, tenho dificuldade de encontrar, quanto mais atrás no tempo quero pesquisar.

3 – Sua experiência como escritora contribuiu para notar essa ausência de mulheres na edição?

Sim, claro. Minha experiência como escritora é mais da metade da minha vida, hoje. Só reitero que notava a presença das mulheres na edição, mas a ausência da narrativa sobre elas. Elas nunca estiveram ausentes disso. No Brasil, mulheres editam jornais pelo menos desde o século XIX (para mencionar apenas o período posterior à vinda da família real). Mulheres foram donas de tipografias importantes, depois de viúvas dos tipógrafos. Era muito improvável que elas não tivessem participação na edição de livros.

4 – No vídeo feito para o Rastros Lectores você utiliza o termo mulheres “inenarradas”, já no livro publicado pela Zazie Edições você utiliza “subnarradas”, poderia falar um pouco sobre essa escolha desses adjetivos? 

Na verdade, estou usando os dois e com sentidos um pouco diferentes. É que às vezes me incomoda um pouco a palavra “apagadas” porque elas sequer foram narradas, não foram “escritas”, embora tenham existido. No livro da Zazie eu tentei dar uma desdobrada ou uma refinada na ideia, sentindo-me dona da liberdade que o gênero ensaio me dá. As inenarradas são as que jamais foram narradas e deveriam; as subnarradas são as que são insuficientemente narradas (são apenas mencionadas, por exemplo, sem qualquer aprofundamento, às vezes listadas a par de uma fiada de nomes masculinos). Acho que isso me dá mais chance de dizer que penso que elas precisam entrar na história que se conta às pessoas, para que notemos que elas também construíram nosso país, nossa cultura, nossa bibliografia, nosso pensamento.

5 – Como está sendo realizada essa pesquisa? E como é feito o registro?

A pesquisa é feita com toda a precariedade a que estamos acostumadas e agora com ataques adicionais à área das Humanidades. Bom, minha pesquisa em fontes primárias (cartas) no Acervo de Escritores Mineiros da UFMG gerou muitas anotações, muitos escaneamentos e muitas anotações. Junto disso, a leitura de obras conseguidas a custo também ajuda a construir uma lógica para esta história. Em termos metodológicos, tenho investido em pesquisa bibliográfica, documental e em entrevistas. É um quebra-cabeça com as peças bem espalhadas. Vou trabalhando nos documentos, juntando os pontos e compondo o que espero ser uma narrativa próxima da coerência e dos fatos, embora seja minha visão e sem desconsiderar a faceta performática de documentos como cartas, por exemplo. Toda vez que encontro ou sou apresentada a um nome feminino em algum lugar, ele funciona como um link, um nó que me levará a uma personagem interessante. Foi assim que deparei com Lina Tâmega Peixoto, por exemplo, link dado a mim pelo querido pesquisador e doutorando Mário Vinícius. Lina foi uma poeta-editora (é recém-falecida) que ainda consegui entrevistar brevissimamente. Ela editou uma importante revista literária mineira/brasileira. Este é outro ponto que me incomoda: a história só é contada como brasileira por alguns que se acham mais “universais”; os outros, o que se acham mesmo outros, engoliram isso e talvez até se sintam “menores”, contam como história mineira, história isto ou aquilo, como se não fôssemos parte de uma história grande, maior, de um país inteiro, e que o alcance do que aqui acontece só tivesse importância ou impacto num raio de alguns quilômetros. O que Lina fez foi também importante para todos e todas, fez parte de um momento da história brasileira e latino-americana. Teve relação com fatos semelhantes em outras plagas, embora o mundo fosse, à época, anos 1940, muito menos conectado em tempo real.

6 – Quais são os principais problemas metodológicos para a realização dessa pesquisa até agora?

O primeiro problema metodológico é encontrar fontes. Se uma mulher não foi “registrada”, de alguma forma, em sua atuação de editora, como saber hoje? Então é preciso investigar, escarafunchar mesmo. Para encontrar muita informação sobre as publicações de Henriqueta Lisboa, por exemplo, tive de ler não as cartas dela, mas as de homens de sua época. Eles a mencionavam ou trocavam cartas com ela ou simplesmente contavam dela a alguém. Nesse sentido, é um percurso errático… que depende dos links que vão aparecendo. É um método hipertextual por excelência. Outro problema é que muitas dessas personagens estão vivas, já que esta história é recente, é do tempo presente, em especial quando decidimos pensar na edição de livros literários, que é meu caso. Vamos definindo o objeto, dando a ele um perfil mais claro, e aí as personagens e as fontes vão também ficando mais claras ou mais escassas. É uma alegria ter contato com uma mulher que editou nos anos 1940, mas pode ser difícil entrevistá-la, ter acesso, ela pode estar doente, por exemplo. Então é preciso ter muito cuidado e delicadeza. Escrever sobre essas experiências é emocionante, mas é também difícil. É muita responsabilidade e muito risco.

7 – A teoria feminista tem contribuído para as análises dessa pesquisa?

Estou mais preocupada com teorias da edição, o pensamento sobre as redes intelectuais, modos de ver a produção editorial, mas pensar em teorias feministas foi incontornável. A perspectiva de gênero era evidente na investigação que me propus e foi imprescindível ler, encontrar interlocução sobre isso, etc. Gosto muito de pensadoras feministas que se aproximam da discussão sobre ciência, fazer ciência e sobre a literatura. Também dos pensamentos decoloniais. Mas preciso ainda ler muito para que talvez esta sensação de confusão se amenize em minha cabeça.

8 – Você já tem uma média de editoras encontradas? Poderia citar algumas “precursoras” da edição? Algumas editoras contemporâneas?  De onde elas são?

Fiz uma pesquisa pela internet, um tempo atrás, e encontrei mais de 200 respostas de pessoas autodeclaradas editoras. Hoje é impossível de contar. Por isso é importante desenhar bem o perfil do que tem me interessado como “editora”. Nada impede que alguém estude as editoras que apenas se autoeditam, por exemplo, mas eu quero saber agora das que editam outros/as, apenas para citar um critério que tenho usado para chegar às fontes e às personagens que procuro. Em décadas anteriores, em especial no século XX, essas mulheres vão ficando mais raras, aparentemente, e aí é possível divisar razoavelmente algumas figuras que foram bem protagonistas, embora a decisão de narrar suas importantes histórias não tenha sido tomada à época. Vou começar pela professora e editora Zahidé Muzart, da editora Mulheres, em Santa Catarina. É interessante porque há toda uma peculiaridade na história dela e da casa editorial, um feito muito pessoalizado, uma relação forte com a universidade pública, grupos de pesquisa, etc. O que essa mulher e suas colegas fizeram foi impressionante, compondo um catálogo de mais de uma centena de títulos, entre obras literárias “resgatadas” e teoria feminista. Eram uma verdadeira janela para a teoria e o pensamento mundial sobre o tema. No livro do Hallewell, por exemplo, edição de 2005, Zahidé é apenas mencionada com o nome escrito errado, numa menção também meio periférica, lateral. Não, a visada tem de ser outra: o trabalho de Zahidé foi muito relevante para os estudos feministas e literários no Brasil e na América Latina. Isso foi dos anos 1990 até a morte dela, em 2014. Outra pioneira, como todas sabemos, é a Maria Mazarello, da Mazza Edições, que vem publicando, desde os anos 1980, obras de autorias negras, muito antes de leis, decretos, etc. É uma editora viva e que vem sendo narrada em livros de entrevistas ou biográficos. Pesquisadoras do futuro terão mais material, se tais fontes não ficarem perdidas e raras. Nos dias que correm são muitas mulheres editoras e tem sido impossível contar e acompanhar com precisão. Vamos fazendo o monitoramento de tudo o que surge e tentando registrá-las. Já fiz isso em alguns textos.

9 – Você está sempre produzindo, publicando. Teve produções “independentes”?

Quase todas. Meus livros de poesia são todos de casas independentes, desde 1997, quando saiu o primeiro. Tenho livros por casas mais comerciais, mas a maioria está em catálogos que nasceram dos anos 2000 em diante. Gosto desta experiência variada e implicada no cenário. É claro que nos anos 1990 era mais difícil encontrar editoras, eu conhecia muito menos gente e estava começando. Hoje é muito mais fácil, tanto porque há mais espaços de publicação quanto porque fui me construindo à medida que o tempo passou. Nunca deixei de publicar, não desisti (apesar das forças em contrário), fiz redes sociais e de afeto muito bacanas e de longa duração. Colaborei com muitas pessoas, empreendi também, fiz boas parcerias, me investi da função de pesquisadora desse cenário. Meu livro de 2008, o Fresta por onde olhar, é autopublicado, embora tenha lá um nome fantasia. Talvez seja minha experiência mais “independente”. Mas os outros são todos parcerias de variada natureza.

10 – Você se viu em uma posição de se assumir, mesmo que por um momento, como editora?

Várias vezes. Foi minha profissão, minha atuação profissional na carteira de trabalho, por alguns anos. De vez em quando, ainda atuo assim. Quando editei a coleção Leve um Livro, com o Bruno Brum e uma pequena equipe, era o que éramos. Gosto disso, posso fazer. Infelizmente faço menos do que gostaria.

11 – Recentemente, o grupo Mulher na Edição completou 1 ano, meus parabéns! Poderia comentar um pouco sobre o grupo e sobre a comemoração? Vocês lançaram um livro pela LED (editora experimental do CEFET-MG), “Escreva como uma mulher”, foi um espécie de livro coletivo não é isso? Poderia falar do processo e dessa sutil alfinetada?

Este grupo é uma grande alegria. Ele nasceu quando a Fapemig aprovou meu projeto de pesquisa, para o qual convidei como coordenadoras as professoras Paula Renata Melo Moreira e Maria do Rosário Alves Pereira, do CEFET-MG. Daí resolvemos sistematizar nossas leituras, os estudos, nosso contato, enfim, e pensamos: “vamos estudar um texto por mês?”. Daí nasceu o grupo de estudos e deixamos as portas abertas a quem quisesse acompanhar, participar. Para nossa alegria, várias pessoas aderiram a estes encontros. O grupo seleciona um texto mensal para leitura e o comenta num dia marcado. Fazíamos isso no campus, mas com a pandemia passamos a fazer virtualmente, o que ampliou muito nosso alcance. De repente, tínhamos mais de cem pessoas cadastradas, recebendo nossos textos, informes, dicas, etc. Gosto muito desse tipo de trabalho, que reúne pessoas e interesses, num clima de colaboração. Quando fizemos um ano, resolvemos oferecer algumas ações: oficinas e uma live com uma convidada muito especial, a professora Eurídice Figueiredo, da Universidade Federal Fluminense. Eu, Rosário e Renata propusemos cursos curtos e gratuitos, oferecemos, as pessoas se inscreveram e foi uma delícia. Do meu, que era de produção literária, surgiu uma coletânea de contos. A ideia não era publicar, mas ficou tão legal, as participantes se engajaram tanto, que a Renata me deu esse toque, disse que tinha de ser uma coletânea mesmo. Então fizemos. A Paloma Vidal, escritora argentino-brasileira, cedeu o conto dela, do qual partiu a oficina, e o volume ficou bem legal, diverso, com escritoras de várias partes do Brasil, estilos diferentes. Com o envolvimento de estudantes da graduação em Letras do CEFET-MG, foi possível tornar o volume um item do catálogo da LED, editora laboratório. O título da oficina e do livro é uma jogada com o escrever como uma mulher, pensando que pode haver um modo peculiar de fazer isso ou não; escrever com uma mulher, tanto porque a professora era eu quanto porque o conto motivador é da Paloma Vidal; também pensando nessa frase que ganhou as ruas “lute como uma garota” e suas muitas variações. É um título de muitas camadas, dimensões e cheio de provocação. Obrigada pelos parabéns! São coletivos também.

Conheça mais sobre os escritos e trabalho da Ana Elisa Ribeiro em seu site: https://anadigital.pro.br/

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