É inimaginável para a maioria das mulheres pensar nestas duas palavras juntas: PARIR e PRAZER. Por isso, mas não só (e falarei mais adiante por que), um livro com o título Pariremos com prazer é intrigante, audacioso e chama a nossa atenção. Este é o título do livro de Casilda Rodrigáñez – uma pesquisadora, escritora, bióloga e feminista espanhola -, traduzido pela primeira vez no Brasil e publicado pela Editora Luas, em fevereiro de 2020.
Este livro reúne três artigos da autora: o primeiro, e mais ampliado, tem como título o mesmo do livro; o segundo, de nome “Parto orgásmico – testemunho de mulher e explicação fisiológica”; e, por último, o terceiro, “Estender a teia – o parto é uma questão de poder”. Artigos relativamente pequenos (o livro todo tem 128 páginas), mas nem por isso incompletos, pelo contrário: trata-se de um livro cheio de informações, de dados de pesquisas sérias e importantes, de referências para a construção dos argumentos e reflexões em torno dos temas sexualidade feminina, patriarcado e sua cultura de dominação dos corpos e sexualidade das mulheres, resgate da conexão com o útero, a importância do orgasmo para o bom funcionamento do corpo, além de outros aspectos.
O início da reflexão de Casilda é o seguinte: todo órgão do corpo humano, em seu funcionamento normal, não produz dor, o coração bate todo segundo e não dói, o pulmão se movimenta com a inspiração e expiração e não produz dor, e assim segue com outros órgãos; quando manifesta uma dor, em todos os órgãos, é sinal de problema. Assim também é com o útero. Por isso, não deveríamos normalizar e suportar, como se fosse um castigo divino (Deus diz a Eva: “Parirás com dor”), as dores relacionadas ao útero: na menstruação, no ato sexual e no parto, principalmente. E mais: segundo a autora, que a experiência da mulher com este órgão, o útero, seja desconectada e dolorosa é proposital e necessária para a manutenção das estruturas de poder dentro da cultura patriarcal, cultura esta repressora, moralista, e, desde a infância, antivida.
Além disso, a autora traz o foco para algo até então não mencionado nas pesquisas sobre sexualidade, desenvolvidas principalmente por homens durante o século 19: o parto também é um momento da sexualidade da mulher. Isso porque a disposição hormonal, fisiológica do corpo da mulher quando ela está parindo é igual a quando ela está tendo um orgasmo, porém mais potencializado. Para comprovar, o livro traz gráficos, dados de pesquisas sobre a sexualidade e o funcionamento do corpo, e também sobre a atuação do corpo da mulher quando vai ter seu bebê. Por exemplo, o útero é um órgão muscular forte e flexível para suportar o peso do bebê e a gravidade, também para crescer junto com o feto; e a sua abertura, o colo do útero, que deve permanecer fechado durante a gravidez para que aquele feto esteja protegido, abre no processo do parto junto à liberação de hormônios, principalmente a ocitocina – os mesmos hormônios liberados para a concepção, num ato sexual, mas não só.
No livro a autora comenta também sobre as culturas pré-patriarcais, investigadas por estudos atuais da antropologia, em que as mulheres tinham outra relação com seus corpos, de extremo prazer, e isso era passado culturalmente umas às outras. Casilda demonstra como, ao longo da dominação patriarcal, as mulheres foram perdendo a sua conexão com seu corpo, seu útero, e as consequências disso são terríveis: úteros espasmódicos, úteros mal (ou até não) desenvolvidos, desconexão com o próprio desejo e com o prazer de ter um corpo, e a manutenção do patriarcado (que é, simplificadamente falando, a dominação total dos homens, inclusive dos corpos das mulheres, sob o princípio da violência, explícita e implícita).
Após trazer tantas informações, Casilda propõe ações para resgate da nossa conexão com o útero: 1. Através do orgasmo; 2. Buscando conhecer esse órgão, por meio de informações, estudos, experiências conscientes; e, por fim, 3. Mudando nossa relação com o útero, exaltando-o, nos aproximando mais de sua representação simbólica e rechaçando as simbologias culturais negativas em relação a ele.
Pariremos com prazer é um livro que, à medida que lemos, vamos nos conectando com essa sabedoria que há dentro de nós, pois temos a impressão de que sabemos de tudo o que ele traz, de tão honesta é a escrita e a pesquisa dessa autora, um livro que vamos lendo também com o nosso corpo: surge alegria, empolgação, revolta desejo… desejo de saber que corpo é esse que pode viver vibrando em prazer! Também promove a vontade de compartilhá-lo com todas as mulheres. Por isso mesmo, inclusive, é um livro cujo PDF foi disponibilizado gratuitamente pela editora, e o impresso segue a preço acessível (visite nossa loja). Toda mulher PRECISA ler este livro, e os homens interessados em repensar o modo machista e patriarcal que temos vivido até aqui, com certeza também se interessarão.