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Quinta-feira, 12 de outubro de 2023 – Lua nova

30 de outubro de 2023 Posted by admin In Colunas

Quinta-feira, 12 de outubro de 2023 – Lua nova

Tenho há dias, meses (a vida inteira, talvez?), revisitado lugares profundos em mim, que têm a ver com um passado longínquo, e feito muitas perguntas… quem fui, quem sou agora, o que desejo, quando e como e por que surgiu algo transformador em mim… tantos lugares, tantas transformações… e um desses lugares são os livros, que por si só não são transformadores, transformam porque acontece o encontro, porque toca (ou não) quem lê.

Eu despertei interesse pela leitura, que eu me lembre, na adolescência, mas muito espaçadamente – lia os títulos obrigatórios da escola, alguma indicação ou influência de irmãs (minha irmã mais velha lia muito Paulo Coelho, cheguei a ler alguns), do meu avô, de professor(a), colega, amiga(o), enfim. Dessas leituras, nada que me fizesse parar tudo e ler avidamente ou querer mais. Isso só foi acontecer, apaixonadamente, quando, por causa de um vestibular seriado, tive de ler cinco obras de autoras brasileiras: Clarice Lispector, Nélida Piñon, Cecília Meireles, Cora Coralina e Hilda Hilst. (explosão) como escreveria a Clarice em alguns de seus maravilhosos livros…

Minha vida mudou completamente a partir do primeiro livro dessa leva que li: Um sopro de vida – pulsações, da magnífica Clarice. Como esse livro me fez eu me comunicar tão profundamente comigo… me instigava, me inspirava, me deixava estarrecida, sensação de que nada mais importava: “… depois de ter você, pra que querer saber que horas são?” rsrs.

Aí eu quis ler tudo dela e sobre ela, passei a frequentar assiduamente a biblioteca municipal e da escola (pública, estadual). Romances, contos, crônicas, cartas, biografias… e a partir daí fui adentrando o universo da Clarice e o meu, fascinada. Então a vida não era só dar conta das obrigações, existia um universo diverso, confuso, bizarro, incrível, sensível e horrendo dentro de mim e daqueles livros. Então veio Virginia Woolf, Simone de Beauvoir, Fernando Pessoa, Nietzsche… e os livros passaram a ser espelhos, mas não só. Porque havia revelações. Havia tanta humanidade, e isso me humanizava, me fazia sentir, e eu me tornava alegria pura ou tristeza profunda ou empolgação ou melancolia, me afetava como nenhuma outra coisa.

Foi daí que nasceu minha vontade de ocupar completamente minha vida com a literatura, os livros, a palavra escrita. Quis ser escritora – escrevia poemas e alguns contos, jogava muita coisa fora, guardava outras –, mas rapidamente achei que não era capaz, por pura comparação e baixa autoestima e imaturidade, claro; vislumbrei um dia ter um sebo, pensava que poderia viver a vida inteira em um, independente de onde moraria – também tinha um sonho de sair do interior de Minas, mas, na época, não via possibilidade de isso acontecer. Ser editora mesmo, não cheguei a pensar nisso naquela época, mas decidi fazer o curso de Letras, para estudar literatura.

Fui desejar abrir uma editora na graduação – momento propício para expandir os universos… lembro carinhosamente de, lá em Viçosa na UFV (2008 a 2010), falar, com convicção, com uma colega de graduação e amiga poeta, que sempre me mostrava seus fortes e excelentes poemas, que, quando tivesse minha editora, publicaria o livro dela. Quem diria que 10 anos depois estaria mesmo abrindo minha editora…

 

Eu não poderia estar fazendo outra coisa. Como é incrível ter essa certeza.

E assustador também.

 

As palavras me conectam com meu mundo interno. Eu que, facilmente, me distraio de mim… Os livros, mas não por si só me conectam com tantos mundos possíveis da nossa humanidade. Existe beleza e horror nisso. Um imenso paradoxo.

(Parece que a lua está em escorpião… talvez por isso estou assim hoje, vasculhando mais que os outros dias. E expressar, colocar em palavras, é uma necessidade que me acompanha desde que me entendo por gente. Quero entender, entender e comunicar, sempre.)

Isso sou eu. E tantas outras coisas também.

Meu mundo interno e o mundo externo mudam através dos livros. Eles me conectam também com o outro, com as pessoas. Eu me sinto em conexão profunda, empatia radical, amor incondicional – espiritualidade, talvez, seria o nome. 

Ser editora é mais que um ofício. Eu não poderia fazer qualquer coisa que não fosse movida pela paixão. Eu sou uma pessoa apaixonada. Apaixonadíssima. Falo isso hoje de um outro lugar – já fui muito criticada por isso, o que me fazia me ver equivocadamente mal, com os olhos dos outros, e sufocar a mim mesma (com redundância mesmo, reforçando a gravidade rs).

Ser uma pessoa movida pela paixão faz com que o meu tempo seja muito peculiar. Às vezes demoro para começar a ler um(uma) autor(a), livro, artista, músicas que muita gente indica. Tem que me tocar profundamente num lugar muito meu – e cada um tem esse lugar, claro. Talvez o meu seja o lugar que faz com que eu me conecte comigo mesma, porque esse é meu maior desafio. (Isso está no meu mapa astral também, com um Nodo norte em áries.) Tenho uma tendência de colocar o outro em primeiro lugar, de me sentir através do outro… Com o tempo, fui descobrindo o quanto isso me deixa vulnerável e contra mim mesma. Tenho descoberto, na verdade.  O tempo é mesmo nosso melhor amigo…

Trabalhar com livro me conecta comigo, e estar com mulheres me transforma o tempo inteiro. E isso é fascinante. Eu não poderia ter feito algo que não fosse fundar uma editora que publica exclusivamente livros escritos por mulheres e que são feitos por nossas mãos.

(Penso criticamente na questão do binarismo, se não estaria reforçando… mas me tranquilizo por saber que a desconstrução desse sistema vem das feministas, e estamos lidando com isso. Tudo em transformação, sempre.)

Sou muito grata a parte de mim que seguiu o imperioso desejo de estar no mundo dos livros e ser feminista e trilhar meu caminho sob essa base.

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   Cecília Castro – Fundadora e diretora editorial da Editora Luas. Nasceu no norte de Minas, é feminista, ativista, apaixonada por livros, poesia e literatura.