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O resgate histórico de obras escritas por mulheres e a importância do movimento feminista – Entrevista com Constância Lima Duarte

(Elaboração e realização: Patrícia Lessa e Andrea Conceição – entrevista realizada ao vivo via meet e transcrita depois.)

Nossa entrevistada do mês é a professora e pesquisadora Constância Lima Duarte. Ela possui graduação em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (1973), mestrado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1980), e doutorado em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (1991). Cumpriu programas de Pós-Doutorado na UFRJ e UFSC (2002-2003). Aposentada pela UFRN em 1996, ingressou como professora de Literatura Brasileira na Faculdade de Letras da UFMG em 1998, aposentando-se em 2005. Atualmente, é professora voluntária junto ao Programa de Pós-Graduação em Letras – Estudos Literários, da UFMG. Tem experiência na área de Literatura Brasileira, com ênfase nos seguintes temas: literatura de autoria feminina e crítica literária feminista. Dentre as publicações, destacam-se Nísia Floresta: vida e obra; Mulheres em Letras – Antologia; A escritura no feminino; Mulheres de Minas: lutas e conquistas; Dicionário de Escritoras Portuguesas; Dicionário de escritores mineiros; Escritoras do Rio Grande do Norte – Antologia; Imprensa feminina e feminista no Brasil, século XIX, entre outros. Atua como pesquisadora junto ao NEIA – Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Alteridade, ao Centro de Estudos Literários e Culturais, da UFMG, e coordena o Grupo de Pesquisa Letras de Minas, cadastrado no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq. Atualmente, compõe o Conselho Editorial da Editora Luas e é uma das curadoras da nossa Coleção Precursoras (Conheça a Coleção aqui).

 

1 – Constância, em sua trajetória, vemos que exerceu trabalhos e pesquisas em diferentes regiões do Brasil e em diferentes universidades, tais como Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Universidade Católica do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal de Santa Catarina e Universidade de São Paulo. De que forma estas experiências contribuíram para a sua formação? Os cursos de pós-doutorado na UFRJ e na UFSC trouxeram quais novidades para as suas pesquisas?

Constância Lima Duarte: Essas universidades representam, cada uma, diferentes momentos da minha vida. Como já estava dentro de mim, entranhado em mim o desejo de investigar a história das mulheres, de conhecer as pioneiras da nossa literatura e de compreender essas nuances do movimento feminista, em todas essas instituições eu desenvolvi pesquisas sobre essas temáticas. Por exemplo: sobre Nísia Floresta, no Rio Grande do Norte, comecei lá e terminei na USP. À Nísia Floresta, nossa primeira feminista, dediquei anos de pesquisa, e continuo dedicando, e também às antigas escritoras da literatura nordestina. Sobre as antigas escritoras da literatura mineira, me dedico desde quando cheguei aqui na UFMG, enfim, tenho alguns livros sobre elas. Por fim, a história do feminismo, que também sempre me interessou. Eu adoro conhecer, saber histórias daquelas loucas, utópicas mulheres antigas que enfrentaram os preconceitos de seu tempo de peito aberto, destemidas. Eu fico pensando assim, onde é que elas encontraram tanta coragem? Porque as histórias que a gente vê da Maria Lacerda de Moura, Ercilia Nogueira Cobra, anarquistas, eu estou citando anarquistas. Naquele momento escrever “Virgindade Inútil e Anti-Higiênica”. Imagina uma novela com esse nome nos anos 20? “Virgindade inútil”! É louca! É de uma utopia inimaginável. Então eu adoro saber histórias dessas mulheres. Maria Lacerda de Moura tem um livro, ela é de Barbacena, ela é mineira, ela teve jornais e tudo, ela tem um livro “Amai e… Não Vos Multipliqueis”. Imagine falar isso nos anos 20? “A mulher é uma degenerada?”, ela põe uma pergunta. O mundo cientista tinha falado que a mulher era louca e degenerada, aí ela faz uma pergunta “a mulher é uma degenerada?”, e então ela vai responder nesse livro. Então são personalidades que nós tivemos na nossa história que são incríveis, eu fico então pesquisando.

 

2 – O seu livro: Nísia Floresta: vida e obra é uma importante contribuição para o campo dos estudos feministas, das biografias e o campo da literatura de autoria feminina, como foi a recepção dele no meio acadêmico?  

Constância Lima Duarte: Nísia Floresta é uma querida, foi meu tema de tese de doutorado que defendi na USP, em 1991. Na época, eu morava em Natal e me incomodava muito ver o pouco ou nada que sabiam sobre ela. A verdade era essa. Foi isso! Eu botei na cabeça que ia pesquisar Nísia Floresta. Não havia nada em Natal, no Rio Grande do Norte, nenhum livro dela.

Na época dessa tese, nos anos de 1980, quando comecei a pesquisar a Nísia, em 1984, eu viajava e procurava sobre a Nísia Floresta. E não havia nada sobre ela. Quer dizer, havia histórias: “Dizem que publicou muitos livros”… Outro falava assim: “será que foi ela que escreveu?”, “Será que é dela?”, “Dizem que ela teve muitos amantes na Europa”. Então aquelas histórias desencontradas. É como se naquele tempo tivesse um mito em torno de Nísia, a mulher mais brilhante das nossas letras, as pessoas falavam assim. Outros diziam assim “Era uma puta erudita”. Então havia um estigma também. Porque não conheciam nada. E quando se quer ofender uma mulher, vai pela moral, né? Para pesquisar sua obra, ninguém nem sabia quantos livros ela tinha publicado. Eu fui visitando bibliotecas e acervos por todo o país. Aproveitava minhas férias e ia para Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, onde ela morou, em várias cidades e estados do país, eu fui atrás das principais bibliotecas. Encontrava o mesmo livro. Não encontrava nada mais. Depois fui à Europa, porque ela viveu a metade da sua vida na Europa. Inclusive ela morreu e foi enterrada em Rouen, no interior da França. Lá nas bibliotecas da França, em Paris, em Florença, de Roma, eu encontrei edições de Nísia Floresta escritas em inglês, em francês, em italiano, que ainda não tinham sido nem citadas nos dicionários bibliográficos brasileiros. Ninguém sabia desses livros. Então, eu fui recolhendo livros dela e sobre ela, informações sobre ela nos jornais, nas notícias, encontrei o passaporte dela em um arquivo nacional da França. Foi assim que fiquei sabendo das viagens, das datas das viagens etc. E com essas informações valiosas, eu fui escrevendo a sua biografia. Há grandes lacunas, ainda assim. Há anos em que não sei onde ela estava nem o que ela fez. Alguém vai descobrir, eu espero que descubra. E, desde então, eu me dedico a reeditar. Já reeditei alguns livros dela. E me dedico a falar dela para quem quiser ouvir. Sempre que me chamam, sempre que querem, eu vou falar de Nísia Floresta.

Nísia nasceu em 1810 e morreu em 1885. Seu primeiro livro é uma tradução de um livro inglês que estava traduzido para o francês, que ela traduz do francês para o português, chamado “Direitos das mulheres e injustiça dos homens”. É o primeiro livro em língua portuguesa que chega aqui para nós que fala em direitos das mulheres. Adoro esse título! Você pergunta como foi a recepção dele no meio acadêmico. Havia uma curiosidade, um interesse. Eu costumo dizer que é como se Nísia estivesse no inconsciente coletivo de toda a feminista. Todo mundo parece que já ouviu esse nome, a impressão que eu tenho é essa. Então há muito interesse. E hoje, o feminismo que estamos vivendo, há uma nova onda, uma grande e forte onda. Podemos falar disso depois, e é nascente, é muito grande este interesse em saber sobre Nísia Floresta, por exemplo, sobre as primeiras feministas, as primeiras que tiveram ideias feministas.

 

3 – O livro: Imprensa feminina e feminista no Brasil: século XIX nos leva a pensar muitas questões, dentre elas: no século XIX quais eram as reivindicações das mulheres na imprensa? Quais as diferentes pautas das mulheres e daquelas que se declaravam feministas?

Constância Lima Duarte: Ótima pergunta, ótima questão. Eu costumo dizer que cheguei nos periódicos da imprensa pela literatura, porque, quando eu procurava as antigas escritoras, eu encontrava os títulos dos jornais em que elas tinham publicado, pois os jornais foram o primeiro veículo de divulgação do trabalho intelectual feminino. O primeiro não foi o livro, primeiro elas publicavam nos jornais, depois aparecia o livro. Às vezes ele nem aparecia… Obras inteiras eram publicadas nos jornais ao longo de anos. Então, foi a literatura que me levou aos periódicos. Nesse sentido, eu penso que as primeiras escritoras eram todas feministas, compreende? Porque eu sempre enxerguei no gesto de uma mulher publicar, tornar público um pensamento, uma opinião sobre qualquer coisa nos séculos XVIII e XIX, quando isso não era permitido, um gesto feminista. Achar: eu posso! Eu quero! Ir contra todos e tudo. Eu já parto por aí. As primeiras escritoras, só por terem sido escritoras, eram feministas, porque eu gosto de pensar no feminismo sempre no sentido bem amplo. Antes de ser um movimento organizado, articulado em grupos, visando à construção de um mundo que a igualdade de gênero seja uma realidade. Antes disso, o feminismo surgiu através de iniciativas individuais. E era um projeto feminista. Junta duas mocinhas, duas amigas, duas irmãs e vão formar um jornal para defender as mulheres, isso é feminismo, não é? Isso é feminismo. Então, eu cheguei nos jornais procurando as mulheres. Quer ver um exemplo de escritora, no século XIX, Emília Freitas. É uma cearense, bárbara, gosto muito dela. Ela tem um romance chamado A Rainha do Ignoto. Ignoto é o desconhecido. A rainha do desconhecido. O enredo é a história de uma sociedade de mulheres, e essa rainha traz as mulheres espancadas, sofridas, maltratadas para sua terra, é uma terra que ninguém vê, é uma sociedade escondida, desenvolta, e a função dessas mulheres é resgatar outras mulheres que estão em situação de opressão. Quer mais feminismo que isso? Não existe a palavra feminista, mas o romance é isso. A Emília Freitas, no livro, retrata as mulheres, aquela sociedade – uma era general, a outra era advogada, a outra era engenheira, a outra era médica, estavam em todas as funções – em que elas podiam tudo. Tudo que não existia no mundo real ela constrói no mundo ficcional, fictício.

Você pergunta quais eram as reivindicações das mulheres na imprensa. A primeira bandeira que está desde Nísia Floresta, em 1830, até no final do século XIX, é a educação. A luta pela educação feminina, para abrir escolas de meninas, para mudar e melhorar o ensino delas. Primeiro para abrir escolas primárias. Conseguem escolas primárias, em 1827, por meio da lei que autoriza a abertura de escolas para meninas nas vilas mais populosas: Salvador, Vila Rica, Recife, Olinda, Rio de Janeiro e outras. E essas escritoras, essas jornalistas, elas pleiteavam, elas ficavam em cima, querendo o melhor ensino, porque as escolas, quando foi permitido o ensino e a abertura de escolas para meninas, eram escolas que privilegiavam o ensino doméstico, a função doméstica; o futuro da menina era para ser dona de casa. Era um verniz de cultura que as meninas tinham: bordar, algumas palavrinhas de francês, para falar nos salões, pois eram meninas da elite, tocar piano para agradar, cantar, desenhar e ler, soletrar alguma coisa. Então, é engraçado isso, você observa, nas décadas de jornais, primeiro: abrir escolas para meninas, permitir que as meninas estudassem o primário. Logo começam a pleitear o ensino secundário. E muitas dessas jornalistas tinham escolas. Nísia Floresta teve uma escola em sua casa e depois um colégio, o colégio Augusto, no Rio de Janeiro, que tinha o primário e o secundário. Ensinavam línguas estrangeiras. Então foi assim: primário, secundário e universidade. Nos anos 70, 80, começam as mulheres a falar em permitir que as moças, as jovens, fossem para as universidades, as faculdades, porque isso não podia, na verdade.

 

4 – Você possui trabalhos e pesquisas dedicadas à emancipação feminina. Sobre isso, gostaríamos de perguntar: De que forma você acredita que a autoria feminina confere legitimidade frente ao processo de emancipação feminina?

Constância Lima Duarte: Eu penso que a autoria feminina é um dos mais importantes passos para dar legitimidade à emancipação. As mulheres podem escrever, concorrer a prêmios, pleitear reconhecimento nas academias literárias, e por aí vai. Então, eu considero a autoria feminina absolutamente necessária, fundamental para legitimar essa emancipação.

 

5 – Você acredita que as mulheres continuam sendo invisibilizadas na historiografia? Caso afirmativo, o que atribui a isso?

Constância Lima Duarte: Veja, se pensarmos em termos acadêmicos, eu estou pensando na minha área, a literatura, até bem pouco tempo, as disciplinas dos cursos de Letras estavam pautadas pelo cânone, que é majoritariamente masculino e branco. As poucas escritoras que estudadas, eram sempre as mesmas, que de certa forma também já estavam canonizadas – Clarice Lispector, Cecília Meireles, Lygia Fagundes Teles, e só. Raramente incluíam em disciplinas outros nomes como Raquel de Queiroz, Gilka Machado (uma anarquista), Hilda Hilst (outra anarquista). Porém, nos últimos anos, houve uma renovação do corpo docente da universidade. Todo curso é se renovou! Saíram os antigos e chegaram novas cabeças, jovens professores. E acredito que aconteceu em todas as áreas. A partir daí temos notícias de que muitas escritoras contemporâneas se tornaram objetos de cursos, de disciplinas, porque começaram a entrar nas aulas. Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus, Maria Firmina dos Reis estão em alta nesse momento, e todas as três são negras, o que significa uma abertura inédita aos estudos literários, entende? É uma renovação revolucionária. O feminismo negro, por exemplo, tem suas pautas específicas. A mulher negra mais que nunca, porque está correndo atrás de um prejuízo. Ficou sem voz por muito tempo e de repente tem que falar tudo, fazer tudo. Veja, é esta questão: esse novo feminismo também entrou na universidade e provocou mudanças, virou tema de teses, dissertações, monografias. Conceição Evaristo está em alta, Carolina Maria de Jesus também. Maria Firmina, a primeira escritora brasileira, ficou absolutamente esquecida por décadas, muitas décadas, e de repente descobrem que foi a primeira mulher escritora negra a falar em abolição em nosso país. Poxa, não existe nenhuma história literária falando disso. Agora, isso está sendo dito em sala, compreende?

 

6 – Em 2020 vimos muitas iniciativas voltadas para a visibilidade da voz das mulheres nas artes. Como a criação de editoras e de livrarias voltadas para a escrita das mulheres pode contribuir para a valorização de suas vozes?

Constância Lima Duarte: Eu penso que a criação de tantas editoras de mulheres voltadas especialmente para esse nicho da literatura de autoria feminina é da maior importância, porque vai ampliar, de forma inédita, a produção das mulheres. Vai permitir um alcance, uma distribuição que ainda não temos como avaliar, mas eu acredito no potencial dessas “pequenas”, entre aspas, “pequenas editoras”, porque elas se somam. A Luas publica aqui, mas, agora com a internet, vende para qualquer lugar, outra em São Paulo. E assim elas vão se somando. Eessas editoras, no momento pequenas, vão se tornar gigantes, porque o nicho, o tema com que elas trabalham, a produção de autoria feminina, é tudo muito amplo e está absolutamente em alta. Eu acho que é excelente.

 

7 – A Editora Luas está anunciando o primeiro volume do livro: Memorial do Memoricídio, organizado por você e que sairá ainda em 2022, nos parece uma iniciativa bastante ousada. Poderia falar um pouco do projeto?

 Constância Lima Duarte: Claro! É um projeto que nasce do coração. É um projeto que pretende contribuir para divulgar escritoras que são pouco conhecidas, apesar das contribuições que deram em vida, apesar da produção intelectual que tiveram. É aquele conceito do memoricídio, porque (estou falando na minha área, da literatura), se você pega qualquer grande história da literatura brasileira, parece que não existe mulheres no século XVII, XVIII e XIX, só homens. Só os homens escreveram. Sim, era outra vida que as mulheres levavam, claro, mas, existiram as escritoras. Algumas, apesar de tudo e todos, apesar das limitações, do preconceito, algumas romperam esse preconceito, esse círculo vicioso em que estavam. “Mulher só tem que casar”, “mulher não tem que aprender a ler e escrever” etc. etc., e publicaram. Publicaram romances, contos, novelas, peças de teatro. Só que suas obras desapareceram, e quando eu falo de memoricídio, quer dizer, as mulheres sofreram, essas primeiras escritoras foram apagadas da história, foram apagadas da memória oficial, não entraram em livros nenhum, em dicionário nenhum. Se você olha nos grandes historiadores, parece que a  participação da mulher na literatura começou nos anos 1930. Os primeiros nomes que aparecem, em todos os livros, é Raquel de Queiroz, na ficção, e Cecília Meirelles, na poesia. De repente, eles não tinham mais como não ver, sabe? Estavam ali. As mulheres estavam publicando. Então, a partir dali começam a falar em mulheres. Poucas. Bem poucas. Mas começam ali.

Então, essa ideia do memorial, assim como o nome quer dizer, que é um monumento, é fazer um monumento. Eu acho que para quem é escritor/a, o melhor monumento é um livro. Foi isso que eu pensei com a Cecília, da Luas. Então, o Memorial do Memoricídio. O título é meu, eu gostei, porque a ideia é esta: eu convidei algumas colegas, fiz uma seleção de escritoras, de nomes de escritoras bárbaras, todas elas ótimas. Então, cada pesquisadora fez pequenas biografias de escritoras brasileiras, completamente, ou praticamente, desconhecidas da historiografia literária. Eu estou feliz com essa publicação. Eu acho que vai ser uma contribuição. Vão aparecer nomes ali que muita gente nunca ouviu falar e vai ficar surpreso/a. Como o exemplo que eu citei, da Emília Freitas, escritora fantástica, uma obra incrível que ninguém fala, que ninguém estuda. Então é isso, a ideia desse livro é ousada, eu concordo, eu acho também. Vai sair o primeiro volume do Memorial do Memoricídio, com quarenta escritoras, todas do século XIX para trás, e o volume dois está já sendo produzido também.

Então é isso, a ideia do projeto é contribuir para divulgar escritoras que não são conhecidas, ou praticamente desconhecidas, mas que merecem estar na história, porque também produziram. Também deram uma contribuição intelectual. Eu costumo falar com meus alunos e alunas que parece que a literatura brasileira só tem um lado. E é o lado que só homens escreveram, só homens brancos, sabe? Mas e as mulheres? Que história da literatura é essa? Cadê essas mulheres? Então, é o outro lado da literatura que a gente tenta mostrar.

                                                           Obrigada, Constância!

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Selo infantil: Lunitas

No ano de 2021, apesar de um contexto difícil para todo o mundo, e com constante aumento da gravidade das consequências da pandemia no Brasil, com esse governo atual genocida, seguimos com flor e garra nossos projetos e sonhos, com cuidado, zelo e apoio de muitas mulheres. Fomos gestando a ideia de trazer um selo infantil, afinal, uma editora preocupada com as mulheres se preocupa também com as crianças.

A Lunitas é um selo infantil feminista, que vai trazer livros com temáticas de valorização das diferenças, da diversidade, do feminino e do masculino, sob a perspectiva da empatia, do cuidado, do amor, da responsabilidade, do afeto; da valorização das emoções e de todos os sentires, da vida de todos os seres da natureza (humanos e não humanos), sob uma perspectiva matrística e ecofeminista.

São muitos os desafios de trazer a diversidade das temáticas necessárias para mudarmos as relações em nossa sociedade, mas acreditamos no fazer coletivo, encontrando e unindo as mulheres, acreditamos na potência transmutadora das experiências com a arte e os livros, nas transformações em nós, pessoas adultas, para mudar as relações com nossas crianças, estabelecermos outro tipo de relação e promover momentos especiais diversos, principalmente de boas leituras, e, assim, seguirmos trilhando caminhos para um mundo diferente: em que as mulheres e as crianças são respeitadas, amadas e não violentadas.

O livro que inaugura a Lunitas é o “Sua primeira casa”*, da Rafaela Kalaffa,  que aborda sobre um lugar comum a todas/os nós, um lugar escuro e quentinho, de onde todas/os viemos, onde foi a nossa primeira casa: o útero! A autora nos embala num canto de retorno, nos permitindo um olhar natural para o nosso corpo, com toda a sua sabedoria e força de se transformar para gerar outra(s) vida(s). É uma viagem para o lugar que primeiro nos nutriu.

Acesse o livro aqui.

Para conhecer todos os livros do selo Lunitas, clique aqui.

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Resenha do livro “Não escrevo poemas de amor” – por Maria do Rosário A. Pereira

DIÓ, Camila. Não escrevo poemas de amor. Guaratinguetá: Penalux, 2020.

Não escrevo poemas de amor (2020) é o primeiro livro da poeta mineira Camila Dió – que, a propósito, acaba de publicar seu segundo título, Quando versos gotejo (2021), ambos pela Penalux. O modo como seu primeiro livro foi organizado lembrou-me A vida submarina, de Ana Martins Marques, primeira obra de uma hoje renomada poeta mineira: muitos livros estavam contidos neste livro, isto é, cada bloco poderia ser, por si só, uma obra à parte – ao menos foi a impressão que tive na época. A mesma impressão tive na leitura dessa estreia promissora de Camila Dió: ainda que o livro não seja dividido em partes, é possível visualizar conjuntos de poemas que poderiam formar obras à parte, o que aponta para a diversidade do trabalho dessa poeta.

É assim que há poemas metalinguísticos como o de abertura, “A poesia é”: neste poema, Camila trabalha belas imagens e metáforas para mostrar ao leitor que a poesia encontra-se nos pequenos elementos ou gestos do cotidiano, que ela não é algo hermético, destinada a uns poucos “sábios”. Vejamos algumas dessas definições: “Um suspiro de alívio ante uma solução importante,/O Zéfiro que ergue pipas e balões ao céu distante,/O vento que provoca as ondas agitando as tempestades, /Uma lufada longa e fresca num dia quente na cidade (…).” Também a natureza comparece em peso para definir e aproximar a poesia do homem comum, da vida cotidiana e simples, como se a poesia fosse um respiro em dias e momentos tão tumultuados – nada mais contemporâneo, diga-se de passagem. A preocupação com a palavra reverbera em outros poemas como “O surgimento de tudo”, que traz versos emblemáticos a exemplo deste: “A palavra pode ser eterna dentro de um segundo.” Como praticamente todo bom poeta, Camila Dió não se furta a perscrutar os meandros da linguagem, uma vez que por ela somos constituídos e com ela nos presentificamos no mundo.

Digno de nota é o título da obra: a poeta posiciona-se claramente em favor de um modus operandi poético, por assim dizer, que não confere exatamente com certas expectativas sociais. “Versinhos de amor”, ainda hoje, parecem constituir o imaginário associado à poeta mulher – se não por um leitor mais atento e familiarizado com poesia, ao menos pelo senso comum. Já pelo título percebemos que a proposta poética de Camila Dió é mais reflexiva e ancorada numa atitude mais dinâmica – uma janela para o mundo subjetivo da poeta, conforme poderíamos pensar pela imagem apresentada na capa, mas ao mesmo tempo uma janela para as inquietações contemporâneas do próprio ser humano.

A memória e os objetos que a representam também comparecem nessa figuração poética, a exemplo do poema “Dentro de um baú”, no qual o eu lírico retira flores mortas de um baú e cada uma delas simboliza um momento, uma lembrança e, assim como a própria memória, desconfiguram-se com o passar do tempo, desmaterializando-se, perecendo, enfim: “pego docemente cada flor/ – que não tem mais cor/ – que não tem mais cheiro/ que se desintegram em minhas mãos,/ que escapam por entre meus dedos (…)”. Tais flores vão sendo substituídas por outras, num trabalho semelhante à recolha das próprias lembranças, que assim também se encadeiam, umas dando lugar às outras, as mais significativas substituindo as transitórias. Assim, nos versos que se seguem, o baú que é de memórias é também de recomeços, como a própria vida, em que uma fase dá lugar a outra, em que a um momento de tristeza se segue um de felicidade, e vice-versa. A fugacidade da vida e o modo como a passagem do tempo é registrada pelo ser humano parece ser uma temática cara a essa jovem poeta, que demonstra uma especial maturidade no manejo da linguagem justamente nos versos em que trabalha essa questão.

Para além de poemas extremamente expressivos no que se refere ao trato com a linguagem há poemas de cunho social, como se lê em “Quem compra?”, no qual o eu lírico “vende” uma série de agruras sociais, em um claro propósito de denúncia: o abandono, a violência e o descaso a que a parcela pobre da população se vê submetida são vendidos, na última estrofe, “aos políticos/ com seus olhares livres de empatia”. Ou seja, o poema não é só uma denúncia a uma situação social calamitosa, mas também ao modo como tal situação vem sendo tratada historicamente pelos detentores do poder em nossa nação.

Há, ainda, poemas que problematizam a relação do homem com o mundo digital, a relação do homem com o capitalismo, a situação dos detentos, a infância, a velhice…. O último poema do livro traz um cenário rural como pano de fundo, numa perspectiva distinta do que fora apresentado até então mas, ao mesmo tempo, novamente dando destaque aos elementos da natureza. Como se nota, é bem diversificado o escopo do livro. Talvez, nesse sentido, um recorte mais direcionado poderia ser mais certeiro; ao mesmo tempo, esse amplo leque dá mostras ao leitor do potencial dessa jovem autora, que, certamente, ainda tem muito a oferecer aos leitores. Que a vivacidade da autora possa contaminar cada vez mais leitores.

Maria do Rosário A. Pereira*

*Doutora em Letras – Estudos Literários (2014), área de concentração Literatura Brasileira, pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Letras: Estudos Literários, área de concentração Literatura Brasileira (2008), e bacharel em Letras (2004) pela mesma instituição. Integra o Grupo de Pesquisa Letras de Minas (UFMG), o Atlas (CEFET-MG), o Mulheres na Edição CEFET-MG) e o Mulheres e Ficção (UFV). É professora efetiva de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Editoração nos cursos técnicos e de graduação em Letras do CEFET-MG.

Você pode adquirir o livro aqui.

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Elas dão a letra – matéria de Mariana Payno sobre obras feministas

Resgatar obras fundamentais do passado também está entre as missões da editora mineira Luas (veja mais abaixo), que criou uma coleção dedicada a autoras brasileiras do século 19, como Nísia Floresta e Ercília Nogueira Cobra. “Eu sou da área de Letras e sempre me questionei: cadê as mulheres? Existe uma trajetória, apesar de invisibilizada, de uma escrita muito subversiva”, diz a fundadora Cecília Castro. “Acho que nós, mulheres contemporâneas, estamos desejando esses resgates ancestrais. Queremos preencher essas lacunas.”

Leia a matéria completa aqui.

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Rádio UFMG entrevista Imaculada Nascimento

Confira a entrevista cedida pela Imaculada Nascimento à Rádio UFMG sobre o lançamento do livro “Virgindade Inútil e Anti-Higiênica”, de Ercilia Nogueira Cobra.

“Ercília foi uma mulher extremamente transgressora para a época dela e foi calada pelo governo, porque era uma mulher que falava sem papas na língua. As obras dela estão centradas em reivindicar para a mulher uma educação formal no mesmo patamar da educação dada ao homem na época”.

Ouça a conversa aqui.

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Pelo direito de sonhar

Resenhista: Débora Araújo, graduanda em Letras pela UFMG e representante pelo DCE das Moradias Universitárias da UFMG.

Quando cunhou o termo escrevivência,[1] Conceição Evaristo queria dar luz a uma forma de escrita, a qual ela vai descrever como escrita de dentro, que tivesse um poder intrínseco em que o porta-voz do drama literário é também uma pessoa real que poderia estar no lugar daquele que é personagem na trama. Em uma entrevista, ela resgata de um de seus escritos uma frase extremamente marcante. Ela diz: “Escrever é uma forma de sangrar, e a vida é uma sangria desatada”.[2]

De muitos modos, foi em Conceição e na sua escrevivência que eu pensei ao passar meus olhos pela primeira vez por Memória jovem: livro de memórias da Moradia Universitária da UFMG:[3] um ambicioso projeto apresentado como trabalho de conclusão de curso pela graduanda em Letras e escritora Íris Ladislau, em 2019, e publicado em 2020 pela Editora Margem, uma editora independente da qual a autora também é uma das idealizadoras.

O livro é todo artesanal, com encadernação costurada, capa dura feita de papel cartão Horlle cinza (3mm), lombada de tecido tricoline e acabamento muito bem feito, em 262 páginas. A obra é composta por relatos colhidos pessoalmente pela própria autora, através de entrevistas, retratando vivências reais de pessoas reais que, como ela, fazem ou fizeram parte do programa de moradia da Universidade Federal de Minas Gerais, mais especificamente das Moradias Universitárias Ouro Preto, situadas em Belo Horizonte. O Programa Permanente de Moradia Universitária é um projeto da UFMG que, através da Fundação Mendes Pimentel (FUMP), possibilita que alunas e alunos de todo o país, que não têm condições financeiras de se manterem em Belo Horizonte, residam, gratuitamente, nos apartamentos que compõem os três complexos de prédios situados na Avenida Fleming, no bairro Ouro Preto. O escopo do programa é garantir o direito à educação e a permanência dos alunos na Universidade Federal.

Logo no primeiro capítulo do livro, Íris introduz, de maneira narrativa, o tema do livro e explica seus métodos. A escrita é literária a todo o momento, e ela explica a opção pela modalidade neoconfessional para o registro das narrativas dos entrevistados, o que, do ponto de vista da leitura, dá um tom mais dramático e fluido – difícil, em alguns momentos, não se revoltar com os relatos, não rir, não se compadecer. É uma leitura que desperta a sensibilidade dos leitores, e também por isso ela é tão rica e representa tanto em termos de importância social.

Claro que ainda rola aquele momento em que você tá numa roda com os seus amigos e você escuta umas coisas tipo “nossa, como assim você não conhece o Louvre?”, sabe? (…) E, assim… Você fica meio sem graça, você fala: “Então, é, não conheço, não tenho dinheiro pra ir, nunca saí do país, o mais longe que eu fui é o Rio de Janeiro”. (Memória jovem, p. 226).

São muitas as vozes que compõem esse livro. O jeito de falar dos entrevistados e os delicados comentários da autora vão dando tom às experiências trágicas e até revoltantes dessas pessoas. O leitor é convidado a uma profunda reflexão sobre privilégios, ao mesmo tempo em que, às vezes, se pergunta como é que esse tipo de vivência não é mais publicizada – ao menos não na mesma medida em que são veiculadas manchetes que se referem à universidade pública como “balbúrdia” e “gasto de dinheiro público”. Esse, definitivamente, é um livro que deveria ser de leitura obrigatória a todos os críticos das cotas e também do ensino público superior.

Especialmente por estarmos vivendo um momento de fortes tensões no tocante à luta por direitos e de ataques às universidades públicas, o livro vem para mostrar histórias muitas vezes negligenciadas no cotidiano (especialmente no atual contexto político): vidas que foram transformadas pela educação ‒ e não só pela educação ‒, mas também pela garantia do acesso e da permanência nas universidades a estudantes socioeconomicamente vulneráveis através de políticas públicas de assistência estudantil, neste caso em particular, o Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes). São histórias de pessoas cujo sonho de estudar em alguns momentos pareceu inalcançável ou impraticável, e que, hoje, ainda que com percalços pelo caminho, se concretiza ou mesmo já se concretizou.

Desde os movimentos de luta por moradia em meados dos anos de 1980, ainda sob o contexto da ditadura – e aqui cito a ocupação Borges da Costa, prédio da UFMG abandonado na época e que, até 1998, foi ocupado por estudantes pobres –,[4] até hoje, muita coisa mudou para os alunos da UFMG cujas vidas são marcadas por privações de diversos tipos e por dificuldades materiais. Essa luta não termina aqui, é claro. Como Memória jovem nos deixa saber de maneira emocionante, há muitas mentes brilhantes que apenas aguardam, nos lugares menos propícios deste país, uma oportunidade para mudarem o mundo – e também suas próprias realidades.

Memória Jovem é uma leitura dramática, que nos tensiona e compele a refletir, e que faz um convite à empatia e à união na luta pela garantia de direitos, para que a educação, enfim, seja um sonho que todos possam sonhar.

Você tem acesso ao livro aqui 

[1] EVARISTO, Conceição. Da grafia-desenho de minha mãe, um dos lugares de nascimento de minha escrita. In: Alexandre, Marcos A. (org.) Representações performáticas brasileiras: teorias, práticas e suas interfaces. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2017, p. 16-21.

[2] EVARISTO, Conceição. CONCEIÇÃO EVARISTO | Escrevivência. 2020. (23m17s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=QXopKuvxevY >. Acesso em: 16 out. 2020.

[3] LADISLAU, Íris. Memória Jovem: livro de memórias da Moradia Universitária da UFMG. Belo Horizonte, MG: Margem, 2020.

[4] Conferir em: http://www.sjpmg.org.br/2016/10/coletivo-quer-resgatar-historia-da-ocupacao-estudantil-borges-da-costa/.

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