Efigênia Rolim fez do lixo a arte de (en)cantar
Efigênia Rolim fez do lixo a arte de (en)cantar
“Vitrine, joias de ouro eu virei prum
Outro lado
Descobri meu tesouro foi no lixo
Reciclado”
Efigênia Rolim [1]
Efigênia Rolim é multiartista, escreve versos, cria objetos, histórias, interpretava e fazia apresentações nas ruas. Nasceu em 1931, no município de Abre Campo (MG). Em 1965, se mudou para o norte do Paraná, e chegou a Curitiba em 1971. Mudou-se com os filhos e o marido, enfrentou muitas dificuldades devido a problemas financeiros, mas nunca desistiu, fez da vida um ato de resistência através da arte. Foi viver na periferia e tornou-se catadora de lixo. Como diz em seus versos que abrem este texto, fez do lixo a sua arte.
Em 1991, aos 60 anos, participou da primeira exposição de arte. Depois disso, esteve presente em muitas outras exposições, além estar nos livros, e ter participado de desfile de moda, filmes, programas de TV, congressos, feiras, dentro outros eventos. Eu a conheci na Universidade Estadual de Maringá (UEM), onde ela estava participando, como convidada, de um encontro de Educação Ambiental. Não há como esquecer uma presença forte e cativante como de Dona Efigênia!
Dinah Ribas, autora do livro sobre a artista, A viagem de Efigênia Rolim nas asas do peixe voador (2012), relata que Efigênia não tem preguiça de transformar qualquer objeto descartado em obra de arte. Sua obra é imensa e reflete uma vida intensa e repleta de afetos e imaginação.
Desde 2022, Efigênia vive no Asilo São Vicente de Paulo. Ela apresenta algumas limitações na saúde, vive em uma cadeira de rodas e faz uso constante de oxigênio. Ela fez da arte uma forma de viver e se reconstruir. Com uma história de vida peculiar e intensa, a artista, que é conhecida por muitos como Dona Bala ou Rainha do papel, teve uma enorme contribuição para a história, cultura e arte brasileira.
Criou muitos personagens, uma delas é a Tibúrcia. Com essa personagem, ela canta: “Ah, Tibúrcia. Se você tem uma moedinha e quer dela se livrar, bota aqui nessa botinha que Deus vai te abençoar, que Deus vai te abençoar. Quando eu era criança era cruzeiro, mas hoje eu tenho a esperança de ganhar muito dinheiro. Ah, Tibúrcia, o que é que nós vamos fazer, se nós não trabalhar, o que é que nós vamos comer” [2]. As personagens ganhavam vida e narrativas, muitas vezes, cantadas e interpretadas por ela nas ruas de Curitiba.
A trajetória dessa senhora no campo da arte iniciou de forma inesperada e, ao mesmo tempo, improvável, por meio do “mítico encontro dela com o papel de bala, em 1991, na rua XV, ao lado do Bondinho, foi um acontecimento magico e emblemático, que mudou os rumos da sua vida” [3]. O papel de bala junto com diversos outros materiais recicláveis são materiais de destaque nas produções da Rainha do Papel, que, junto com as suas histórias e seu jeito próprio de tecer as narrativas, se entrelaçam em uma forma singular de expressão e construção de novas formas de si.
Suas produções se desenvolvem a partir de uma poética do cuidado do afeto sobre tudo aquilo que constitui o mundo em que reside: “A força expressiva de Efigênia se condensa na presença, no corpo escultórico, nas tramas que inventa e que dão a impressão de história sem fim… Ela cria figurinos, cenários, instrumentos do fazer musical; em suas mãos, o recorte da caixa de ovos transforma-se num curioso e multicolorido par de óculos que compõem sua vestimenta assemblagê, uma combinação de pedaços de tecido, papéis multicoloridos e objetos os mais diversos” [4].
Junto com a história oral, a poesia e a música entrelaçadas com suas produções plásticas, Efigênia propõe um modo de existência que tenta subverter as estruturas de opressão do capitalismo. A partir do ato de reconfigurar a matéria, ela cria novos sentidos e dá vida àquilo que muitos não viam mais utilidade. Dona Bala, mais que um ato sustentável, cria laços entre as pessoas e as suas obras. Ela atua despertando a consciência sobre como as nossas ações interferem diretamente no meio em que vivemos, criticado o consumismo e produção de lixo abusiva.
No dia 10 de dezembro de 2022, o Museu de Arte Contemporânea do Paraná (MAC-PR) recebeu uma exposição inédita de Efigênia Rolim e Hélio Leites, intitulada Os significadores do insignificante. O projeto teve autoria de Estela Sandrini, com curadoria de Dinah Ribas e Maria José Justino, na qual foram apresentadas cerca de 260 obras, muitas inéditas, oriundas de acervos institucionais e particulares.
A exposição celebrou a vida e obra de Efigênia Rolim e Hélio Leites, artistas de grande relevância nas artes, conhecidos pela originalidade de suas criações. Eles utilizam matérias-primas em comum: o resíduo e a sucata, transformados em arte, poesia, alegria e histórias, seja por meio de um papel de bala ou de uma lata de atum. Ambos estiveram presentes na abertura da mostra, que contou com a presença do contador de histórias Carlos Daitschman, vestido com roupas produzidas por Efigênia Rolim [5].
Dona Efigênia, apesar das dificuldades impostas pela fome, pela miséria e pelo trabalho árduo, foi capaz de criar uma arte transformadora, brincalhona. Quem a conheceu não esquece dela interpretando as suas histórias, pulando, rolando e encantando as pessoas nas ruas. Nesta época de final de ano, quando o consumismo assume proporções assustadoras, vale lembrar desta artista genial, que fez do lixo a arte de (en)cantar.
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Patrícia Lessa – Feminista ecovegana, agricultora, mãe de pessoas não humanas, pesquisadora, educadora e escritora.
Referências
[1] MON. Museu Oscar Niemeyer. Efigênia Rolim: rainha do planeta. Disponível em: https://www.museuoscarniemeyer.org.br/educativo/programas/acesse-para-perceber/[category]/luzmateria18. Acesso em: 12 dez. 2024.
[2] SCHIONTEK, Barbara. Rainha do Papel de Bala: aos 92 anos, Efigênia Rolim cria ‘desenhos encantados’. Tribuna, 8 mar. 2024. Disponível em: https://www.tribunapr.com.br/noticias/curitiba-regiao/rainha-do-papel-de-bala-aos-92-anos-efigenia-rolim-cria-desenhos-encantados/. Acesso em: 12 dez. 2024.
[3] PINHEIRO, D. R. A viagem de Efigênia Rolim nas asas do peixe voador. Curitiba: Editora do Autor, 2012, p. 59.
[4] PINHEIRO, D. R. A viagem de Efigênia Rolim nas asas do peixe voador. Curitiba: Editora do Autor, 2012, p. 31.
[5] PARANÁ. Secretaria de Cultura. Vida e obra de Efigênia Rolim e Hélio Leites são celebradas em nova mostra no MAC-PR. Agência estadual de notícias, 30 nov. 2022. Disponível em: https://www.aen.pr.gov.br/Noticia/Vida-e-obra-de-Efigenia-Rolim-e-Helio-Leites-sao-celebradas-em-nova-mostra-no-MAC-PR. Acesso em: 12 dez. 2024.