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Bertha Lutz, sufragista brasileira

25 de outubro de 2024 Posted by admin In Colunas

Bertha Lutz, sufragista brasileira

Bertha Lutz nasceu na cidade de São Paulo, era filha da inglesa Amy Marie Gertrude Fowler – enfermeira voluntária da Colônia de Leprosos de Molokai, nas ilhas do Havaí, e, mais tarde, fundadora de diversas obras sociais, inclusive as primeiras escolas noturnas para trabalhadores e aprendizes e a escola diurna para pequenos vendedores de jornais – e do suíço Adolpho Lutz – microbiologista radicado no Brasil, iniciador da medicina tropical e zoologia médica no Brasil. Seus estudos primários foram realizados no Externato Madame Ivancko, situado no Largo da Liberdade; e os estudos secundários foram iniciados em São Paulo e concluídos em Paris.

Em 1918, finalizou sua formação em Licenciée em Sciences, pela Faculdade de Ciências na Universidade de Paris (Sorbonne), que abrangia botânica, zoologia, embriologia e química biológica, formando-se em Ciências Naturais e especializando-se em anfíbios anuros, subclasse que inclui os sapos, as rãs e as pererecas. Voltou para o Brasil após a conclusão da graduação, em 1918, e começou a trabalhar como tradutora no setor de Zoologia do Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, onde seu pai trabalhava.

Durante sua permanência na Europa, tomou conhecimento do movimento sufragista. No Brasil, dedicou-se para que as mulheres tivessem direito à educação, ao trabalho, ao voto e aos direitos civis. Participou da Associação Brasileira de Educação por perceber a necessidade da educação para ambos os gêneros como caminho para o desenvolvimento das políticas educacionais no Brasil. Foi cientista, líder feminista e política, e teve sua atuação reconhecida internacionalmente – em prol da emancipação feminina, pela educação feminina, pelo voto feminino, por mudanças na legislação trabalhista – à frente da Federação Brasileira para o Progresso Feminino, que dirigiu por mais de 50 anos.  

Um dos trabalhos mais conhecidos da historiadora feminista Raquel Sohiet diz: “Bertha Lutz é consagrada cientista, com inúmeros trabalhos publicados no Brasil e no exterior sobre biologia e herpetologia. Sua última obra, intitulada Brazilian Species of Hyla, foi editada pela Universidade do Texas” [1]. Ela foi uma cientista de campo e laboratório, além de se especializar em organização de museus educativos e se formar em Direito para entender e reivindicar os direitos das mulheres que, no contexto brasileiro daquele momento, era muito restritivo – por exemplo, o casamento dava aos homens o direito de não permitir que a esposa trabalhasse caso entendesse que as atividades do lar estavam sendo prejudicadas, dentre outros fatores que limitavam a vida das mulheres e impediam seu crescimento intelectual e profissional.

Em 1919, junto com Maria Lacerda de Moura e outras mulheres, fundou a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher. Em 1922, a Federação Brasileira para o Progresso Feminino foi criada após o retorno de Bertha ao Brasil. Ela havia sido a representante brasileira na Assembleia Geral da Liga das Mulheres Eleitoras, realizada nos Estados Unidos, onde foi eleita vice-presidenta da Sociedade Pan-Americana. A Federação foi criada para substituir a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher e para encaminhar a luta pela extensão de direito de voto às mulheres. O direito de voto feminino foi estabelecido por decreto-lei do presidente Getúlio Vargas apenas dez anos depois, em 1932.

No artigo Movimento feminista e educação: cartas de Maria Lacerda de Moura para Bertha Lutz (1920-1922), as autoras abordam a relação gentil entre as duas escritoras e estranham um fato: “Embora as cartas demonstrem o entusiasmo de Maria Lacerda de Moura em prol da luta pela emancipação feminina e a admiração por Bertha, seu nome não aparece entre as fundadoras da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino em 1922” [2].

A afinidade entre ambas teve um tempo curto, quando, em 1922, Maria Lacerda rompeu com o movimento feminista por entender que o direito ao voto e aos estudos não alcançava as reivindicações das mulheres operárias [3]. Enquanto isso, o trabalho de Bertha ganhou grande repercussão e ela foi delegada oficial do Brasil nos Congressos Pan-americanos Femininos em Baltimore (1922), em Washington (1925), em Roma (1923) e em Berlim (1929).

A cientista brasileira começou a se destacar na busca por igualdade de direitos jurídicos entre os gêneros ao se tornar a segunda mulher a ingressar no serviço público brasileiro, após ser aprovada no concurso do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em 3 de setembro 1919, para o cargo de secretária. Foi a segunda mulher a participar de um concurso para cargo público federal, classificada em primeiro lugar. Importante ressaltar que ela acionou a justiça para garantir o direito de realizar o concurso público, pois, na época, era vedada a participação das mulheres, porém já havia o precedente quando, em 1918, Maria José de Castro Rebello Mendes prestou concurso público e ficou em primeiro lugar vindo a ser a primeira diplomata brasileira e a primeira mulher a ingressar na carreira pública via concurso.

Além da atuação política, ela teve uma marcante presença no campo educacional: escreveu uma proposta para a educação das mulheres indígenas; conquistou o direito à admissão de meninas no externato do Colégio Pedro II, uma das instituições de ensino mais tradicionais do Brasil, fundada no período do Império e existente ainda hoje. Além disso, ela conseguiu apoio do Ministério da Agricultura para realizar um estudo sobre a difusão dos conhecimentos domésticos e agrícolas junto à população camponesa. Bertha considerava importante a realização de estudos sobre a produção agrícola para a organização de cooperativas femininas.

Para tal, ela viajou para os Estados Unidos, em 1923, e para a Bélgica, em 1929, com a intensão de analisar as experiências desses países com relação à educação doméstica agrícola. Em 1923, o governo belga prestou homenagem à Bertha Lutz e deu a ela um prêmio da ordem real pela relevância de seus estudos na área e serviços prestados à agricultura. Em sua carreira, ela publicou mais de 30 artigos, em periódicos nacionais e internacionais, sobre sua pesquisa dos anfíbios anuros.

Foi colaboradora na criação da Associação Brasileira de Educação, em 1924. Em 1929, Bertha e outras integrantes da Federação Brasileira para o Progresso Feminino criaram a União Universitária Feminina, que em 1961 passou a se chamar Associação Brasileira das Mulheres Universitárias. Uma das metas do grupo era incentivar o estudo superior entre a população feminina. Ela também participou da União Profissional Feminina, da União das Funcionárias Públicas e da Liga Eleitoras Independente, em 1932. Foi membra da Sociedade Internacional de Mulheres Geógrafas, com sede em Washington, fez parte da diretoria da Aliança Internacional pelo Sufrágio Feminino e Igualdade Política dos Sexos, com sede em Londres. Foi membra da Comissão Consultiva sobre o Trabalho da Mulher – do Bureau Internacional do Trabalho, com sede em Genebra – e do Museu Americano de História Natural, de Nova York [4].

Dentre seus muitos feitos, cumpre destacar seu pioneirismo na defesa da preservação ambiental e luta pelo trabalho do cooperativismo rural para as famílias de pequenas áreas. Foi uma intelectual e ativista de grande envergadura, viveu na França, nos Estados Unidos e atravessou continentes buscando parcerias e novos conhecimentos. Faleceu aos 82 anos no dia 16 de setembro de 1976, no Rio de Janeiro.

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Patrícia Lessa – Feminista ecovegana, agricultora, mãe de pessoas não humanas, pesquisadora, educadora e escritora.

 

 

Referências

[1] SOIHET, Rachel. O feminismo tático de Bertha Lutz. Florianópolis: Editora Mulheres; EDUNISC, 2006. p. 44.

[2] MARTINS, Ângela Maria Souza; COSTA, Nailda Marinho. Movimento feminista e educação: cartas de Maria Lacerda de Moura para Bertha Lutz (1920-1922). Revista Contemporânea de Educação, v. 11, n. 21, p. 211-229, jan./jul. 2016.

[3] LESSA, Patrícia. Amor e libertação em Maria Lacerda de Moura. São Paulo, Editora Entremares, 2020.

[4] RAGO, Margareth. As mulheres na historiografia brasileira. In: SILVA, Zélia Lopes da (org.). Cultura histórica em debate. São Paulo: UNESP, 1995.

Outras fontes:

ABE. Atas da Associação Brasileira de Educação. Disponível em: http://www.abe1924.org.br/. Acesso em: 15 out. 2024.

Museu Virtual Bertha Lutz. Disponível em: http://lhs.unb.br/bertha/. Acesso em: 15 out. 2024.