Magó e o feminicídio no Brasil
No dia 26 de janeiro de 2023, aconteceu o ato Justiça por Magó! 3 anos sem Magó!, na praça do Teatro Reviver Magó, na cidade de Maringá/PR. O evento público reuniu familiares de Magó, sua mãe Daisa Poltroniere e sua a irmã Ana Clara Poltronieri Borges, ativistas, feministas, artistas, autoridades e a comunidade local. Aconteceram apresentações do Baque Mulher Maringá, de Dança circular, Hip-hop, Rap e Capoeira feminina.
Maria Glória Poltronieri Borges, conhecida como Magó, era bailarina, artista, pandeirista, capoeirista, vegana, feminista e tantas outras facetas. Ela nasceu dia 30 de maio de 1994 e teve a vida interrompida por um brutal assassinato. No dia 26 de janeiro de 2020, ela estava em uma propriedade rural no município de Mandaguari, próximo a Maringá. Ela planejava realizar um recolhimento espiritual no local onde havia uma cachoeira. Foi neste lugar que ela foi vítima de feminicídio. O assassino e estuprador foi encontrado e preso. A vida de Magó foi arrancada pouco antes de ela completar 26 anos. Seu corpo foi cremado e sua morte mobilizou manifestações em várias cidades brasileiras.
A parceria de trabalho com a irmã Ana Clara Poltronieri Borges era bem conhecida. Ambas com formação em artes e dança circulavam o Brasil e faziam da vida um espetáculo de movimento, força e fé. Em um depoimento de Ana Clara (publicado no site: https://mariagloria.com.br/), podemos ver a potência da aliança entre as duas:
“Magó é indefinível porque ela sempre foi muitas coisas. (…) Uma coisa que ela levava a sério era a brincadeira. A gente chamava isso de PANAKISSE, com K. A brincadeira, o jogo, era levado a sério por nós. Onde tem brincadeira tem sorriso.
Atenta e observadora, via dança em todo e qualquer movimento do corpo humano. Amava as acrobacias circenses e era muito boa nisso. Adorava plantar bananeira em todo e qualquer lugar do globo terrestre e no mundo paralelo dos sonhos. Dançava com tudo o que tinha dentro dela.
Pedalava sua bike como se estivesse indo pra lua encontrar nossas ancestrais.
Cantava como uma deusa, uma voz doce, forte, guerreira.
Lutava aikido. Uma mestra maga zen. Praticava yoga e jogava muita capoeira. Amava esse jogo-dança que a capoeira levava para ela. Amava o samba de roda, porque colocava toda a sua potência ali: dança, jogo, sorriso, canto, fé e amor, sempre.
Era uma passarinha livre. Uma anciã guerreira. Corajosa. Uma ótima ouvinte e conselheira. Sabia, no momento certo, fazer com que eu conseguisse enxergar minha própria força. Sabia, no momento certo instigar a vontade de continuar remando o barco da vida.
Um presente. Uma doce mulher. Uma fada”.
Magó era muito querida e deixou saudades. Virou um símbolo de luta contra o feminicídio. O feminicídio é o assassinato praticado contra as mulheres em decorrência do gênero, trata-se de crime de misoginia, menosprezo pela condição das mulheres e, em muitos casos, envolve a violência sexual.
A lei 13.104/15, mais conhecida como Lei do Feminicídio, alterou o Código Penal brasileiro, tipificando o crime contra as mulheres em função de gênero. Foram anos de muita luta para conseguir a aprovação da lei. O Brasil é marcado pelo coronelismo, pelo machismo e racismo. Por muito tempo a ideia da “legítima defesa da honra” garantia impunidade aos assassinos que matavam suas esposas, irmãs, filhas, ex-mulheres, namoradas caso se sentissem traídos. Os homens, com isso, justificavam o injustificável, que é o assassinato. Tal lei foi possível vigorar por tanto tempo graças ao entendimento de que as mulheres não são sujeitas de direito, suas vidas eram atreladas à dos homens. Pais, namorados e maridos consideravam os corpos das mulheres sua propriedade. O corpo tornado objeto entra para o rol dos descartáveis.
Magó representa a juventude no mercado de carnes e de corpos de um país onde ainda se encontram fortes traços coronelistas. Com a ascensão do bolsonarismo e do neofascismo, o problema agravou. A Agência Patrícia Galvão apresenta alguns dados importantes: desde 2018, as taxas de feminicídio estão aumentando; 61% das vítimas são mulheres negras; a maioria das vítimas é jovem e menor de idade; 88,8% dos casos de violência são cometidos pelo companheiro ou ex-companheiro; 70,7% das vítimas tinham, no máximo, ensino fundamental. As crianças e as jovens são as maiores vítimas de estupro seguido de tortura e assassinato.
É claro que, diante de números absurdos, que colocam o Brasil entre os países mais violentos com as mulheres, as pautas feministas avançam a cada ano. Em várias frentes de trabalho que englobam a necessidade de mais mulheres ocupando os cargos políticos, cargos de decisão e com os avanços das coletividades, ONGS´s e associações de mulheres, houve, em contrapartida, o avanço nas demandas por leis mais rigorosas.
No 8M/2023 uma das discussões que está ganhando força é a reivindicação pela criminalização da misoginia. As piadas sexistas sobre mulheres, a defesa de sua inferioridade, de sua sexualidade, os discursos de ódio e desprezo a nós, mulheres, reforçam a misoginia e fortalecem a cultura do estupro. Esse pedido de Projeto de Lei que criminaliza a misoginia, juntamente com o racismo, a homofobia e a transfobia, esteve circulando e ganhou fôlego nas redes sociais nos últimos. A ideia é levar a discussão para o Senado buscando a criação de leis mais rigorosas. O projeto foi protocolado, dia 6 de março, na Câmara dos Deputados.
A vida pede passagem, os corpos das mulheres estão nas pautas pela libertação, pelo direito de existir, pelo direito de andar na rua, pelo direito de amar livremente. Direitos que são considerados como naturais aos homens e que ainda estão nas pautas das mulheres.
Magó, presente!
Criminalização da misoginia – Apoie esta ideia!
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Patrícia Lessa – Feminista ecovegana, agricultora, mãe de pessoas não humanas, pesquisadora, educadora e escritora.